Fonte: G1
Vivendo uma situação econômica muito pior que o resto do país e isolados na gestão de Jair Bolsonaro , os governadores doNordeste tentam formar uma aliança política . Um passo nessa direção foi o Consórcio Nordeste, criado em março com o objetivo de buscar sinergias em diferentes áreas e atrair investimentos. O próximo, previsto para maio, será o relançamento da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), autarquia federal de fomento e desenvolvimento de políticas regionais.
Desde o começo do ano, os nove governadores já se reuniram três vezes para discutir a atuação conjunta. Na pauta estão desde estratégias para agir politicamente em grupo até o lançamento de uma força regional de segurança e a união das redes de TVs públicas dos estados.
Essa articulação acontece em um momento inédito. O Nordeste, pela primeira vez na história da República, não teve nenhum representante na formação inicial de uma equipe ministerial. Bolsonaro já fez oito viagens no país e quatro ao exterior. A região ainda não entrou no roteiro. Até agora, houve um aceno a uma pauta de importância especial à região. O governo anunciou em abril a concessão do 13º pagamento para os beneficiários do Bolsa Família, medida que atinge cerca de 12% dos nordestinos, mas decidiu que o valor recebido não será ajustado este ano.
No mapa da política, o Nordeste é uma região vermelha. Os governadores são todos de oposição ao governo federal. Segundo pesquisa Ibope/CNI, 25% dos moradores dos nove estados veem a atual administração federal como ótima ou boa. Já 40% a avaliam como ruim ou péssima. Os dados destoam do resultado nacional, no qual a aprovação é de 35% e a rejeição de 27%.
Políticas sem definição
Na avaliação do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), uma percepção comum entre os governadores é que há demora na definição das políticas federais para a região. Para ele, é necessário que projetos considerados prioritários ganhem agilidade:
— A reclamação geral é que algumas discussões poderiam ser aprofundadas e demandas poderiam andar mais rápido. Todos estão sentindo falta de celeridade.
Para Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, ainda não é possível dizer como o governo Bolsonaro irá tratar o Nordeste.
— Está tudo parado, mas não há grandes problemas, não posso dizer que estão boicotando ou sabotando a região — disse Dino. — Estamos tendo bom relacionamento com os ministros. Só não há políticas, mesmo.
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou que, além do plano regional de Desenvolvimento elaborado pela Sudene, há em curso um plano de Segurança Hídrica, com investimento de R$ 27,5 bilhões, sendo 58% do total para a região.
Os governadores nordestinos dizem buscar pontes com o Planalto. O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi homenageado esta semana no Piauí. Antes, teve um encontro com o governador Wellington Dias (PT), e descreveu a conversa como “franca, honesta e republicana”.
Dependente de investimentos públicos, o Nordeste vem crescendo bem abaixo da média brasileira. No período de recessão, entre 2015 e 2016, teve retração mais forte e, na pífia recuperação dos últimos dois anos, desempenho mais fraco que o do restante do país.
— O Nordeste sofre mais agora porque não há aumento real do salário mínimo, está fora de importantes cadeias exportadoras e do agronegócio — avalia Fabio Bentes, chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Mudar esse quadro é uma das intenções do Consórcio Nordeste, criado para atrair investimentos e gerar economias até mesmo em compras conjuntas, como a de medicamentos.
— Se a estrada está interrompida, temos que criar um novo caminho — disse o governador da Bahia, Rui Costa (PT).
A medida não é isolada. Em 24 de maio, os governadores deverão, com Espírito Santo e Minas Gerais, relançar a Sudene. O projeto pretende criar 41 polos de desenvolvimento.
Para Ecio Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sem canal de diálogo a retomada econômica fica mais difícil.
— Os governadores têm um posicionamento político que dificulta a aproximação — disse, lembrando a situação fiscal complicada dos estados.
Soma-se a isso a paralisia ou lentidão de empreendimentos na região. Lucas Assis, economista da consultoria Tendências, diz que só a partir de 2023 investimentos em gás, petróleo e energia devem ter resultados.
— Existe risco de atraso, já que o cenário se baseia na aprovação da reforma da Previdência — explicou.
Equipamentos de polícias podem ser compartilhados
O Nordeste quer reduzir a dependência a Brasília. Rui Costa (PT), governador da Bahia e primeiro presidente do Consórcio Nordeste, lançado em março, sonha ter uma força regional de segurança, nos moldes da Nacional, e uma rede de TVs públicas dos estados.
— Se acontecerem crises (na área da segurança) poderíamos enviar nossos policiais para ajudar e compartilhar melhor equipamentos — disse o governador.
O consórcio poderá dividir, por exemplo, helicópteros das polícias e, segundo Rui Costa, a Bahia poderá utilizar o software do Ceará de acompanhamento de alunos, que identifica aqueles com mais chances de abandonar a escola. O governador defende ainda a criação de um escritório de representação em Brasília.
— Precisamos até mesmo de interlocução no Supremo Tribunal Federal — disse.
Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, quer que a situação da Lei Kandir, que prevê compensação fiscal sobre o ICMS de exportados, seja resolvida. Já o deputado Júlio César (PSD-PI), da bancada nordestina na Câmara, diz que a prioridade é concluir a Transnordestina e a transposição do São Francisco, e evitar a possível fusão do Banco do Nordeste com o BNDES.
Para Jorge Jatobá, da Ceplan Consultoria, a associação pode ser benéfica, mas a postura não pode ser de confrontação:
— O Nordeste só volta a crescer com o crescimento do país — disse.
O GLOBO