O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, publicou nesta terça-feira (11) carta aberta encaminhada ao ministro da Economia e presidente do Conselho Monetário Nacional, Paulo Guedes, na qual explica os fatores que levaram a inflação a terminar o ano de 2021 em 10,06% – bem acima do teto da meta, quer era de 5,25%.
Segundo Campos Neto, os principais fatores que levaram ao estouro da meta foram:
- forte elevação dos preços de bens, em especial os preços de commodities;
- bandeira de energia elétrica escassez hídrica, acionada em setembro devido à crise energética; e
- desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, o que gerou gargalos nas cadeias produtivas globais.
- Campos Neto diz que dois desses fatores foram “fenômenos globais”, ou seja, não restritos ao Brasil. “De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes.”
No documento, o presidente do Banco Central também ressalta que o Comitê de Política Monetária (Copom) já sinalizou considerar “apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista”.
Com isso, Campos Neto indica que os juros devem subir ainda mais este ano, em uma tentativa de segurar os preços. Em 2021, a taxa Selic passou de 2% para 9,25% anuais.
Na última reunião, em dezembro, o Copom já tinha previsto alta de 1,5 ponto percentual na próxima rodada de avaliação, marcada para o início de fevereiro. Analistas do mercado estimam que a taxa básica de juros da economia brasileira feche 2022 em 11,75%.
Os motivos da alta
Campos Neto observa que os preços de commodities, depois de serem afetados negativamente no início da pandemia da Covid-19 no primeiro trimestre de 2020, iniciaram processo de elevação no terceiro trimestre daquele ano, o que continuou ao longo de 2021.
A elevação, escreve ele na carta, envolveu todos os grupos de commodities (agropecuárias, metálicas e energéticas) – mas com destaque para o preço do petróleo medido pelo Brent, que tem maior peso na inflação medida pelo IPCA.
Sobre os gargalos nas cadeias produtivas globais, o presidente do BC destacou os “esgotamentos de estoques de insumos, escassez de semicondutores e aumentos de prazos de entrega e de preços dos fretes internacionais”.
No caso da bandeira escassez hídrica, que adiciona R$ 14,20 às contas de luz dos brasileiros para cada 100 kWh consumidos, Campos Neto lembra que o fraco regime de chuvas levou ao acionamento das termelétricas ao longo de 2021, que têm um custo mais elevado, resultando em aumento expressivo das tarifas de energia elétrica.
Em 2020, o IPCA foi de 4,52%. Segundo o IBGE, essa foi a maior taxa registrada desde 2015, e a primeira vez nesse período em que a inflação bateu a casa dos 10%.
Fenômeno global
Para Campos Neto, a alta no preço das commodities e os gargalos nas cadeias produtivas foram fenômenos globais que pressionaram a inflação em vários países, não só no Brasil.
“Esses desenvolvimentos, que ocorreram em nível global, geraram excesso de demanda em relação à oferta de curto prazo de diversos bens, causando um desequilíbrio que, em diversos países e setores, foi exacerbado por falta de mão-de-obra, problemas logísticos e gargalos de produção. De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes”, diz o presidente do Banco Central.
Providências
Para 2022, o centro da meta de inflação é 3,50%, sendo cumprida caso fique entre 2,00% e 5,00%. Os analistas do mercado financeiro estimam que o teto da meta pode ser de novo estourado, segundo projeções do último Boletim Focus.
Campos Neto diz que as projeções do BC são de que a inflação entre em trajetória de queda já no início de 2022, terminando o ano em 4,7%.
Se isso acontecer, a inflação voltará para a meta, mas em patamar superior ao chamado “centro da meta”, considerado o valor ideal. A projeção já havia sido informada no último relatório trimestral de inflação.
“Nesse cenário, em 2022, a inflação ainda se mantêm superior à meta, embora dentro do intervalo de tolerância, em virtude dos efeitos inerciais da inflação de 2021”, diz Campos Neto.
Ele argumenta, ainda, que o Banco Central tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja as metas para a inflação estabelecidas pelo CMN.
A autoridade monetária iniciou em março deste ano um ciclo de aperto monetário, com a taxa básica de juros da economia, a Selic, subindo de 2% para 9,25% ao ano no fim de dezembro. A taxa, segundo indicou Campos Neto, deve continuar em trajetória de alta.
“O Comitê irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, escreve Campos Neto. O Copom é formado pelo presidente do BC e pelos diretores.
Como funciona
O Banco Central tem que perseguir uma meta para o resultado anual da inflação que é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O principal instrumento utilizado é a taxa básica de juros, a Selic. Normalmente, o BC sobe os juros para conter o aumento de preços.
Para 2021, a meta central de inflação definida pelo CMN era de 3,75%. Pelo sistema vigente no país, seria considerada cumprida se ficasse 1,5 ponto percentual acima ou abaixo. Na prática, para cumprir a meta, o Brasil tinha que ficar entre 2,25% e 5,25% na inflação de 2021.
Porém, a inflação oficial do país – medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – fechou 2021 em 10,06%, bem acima do teto da meta, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça.
Quando a inflação termina acima ou abaixo do intervalo de referência, o presidente do Banco Central é obrigado a encaminhar carta aberta ao presidente do CMN com os motivos e o que pretende fazer para levar a inflação para a meta.
A carta de Campos Neto é a sexta escrita por um presidente do Banco Central brasileiro. A carta mais recente tinha sido escrita pelo seu antecessor Ilan Goldfajn, em janeiro de 2018, referente à inflação de 2017, que ficou abaixo do piso do sistema de metas.
10 itens com maior impacto na inflação do ano:
- Gasolina: 47,49% (impacto de 2,34 pontos percentuais)
- Energia elétrica: 21,21% (impacto de 0,98 p.p)
- Automóvel novo: 16,16% (impacto de 0.48 p.p.)
- Gás de botijão: 36,99% (0,41 p.p.)
- Etanol: 62,23% (0,41 p.p.)
- Refeição: 7,82% (0,29 p.p.)
- Automóvel usado: 15,05% (0,28 p.p.)
- Aluguel residencial: 6,96% (0,26 p.p.)
- Carnes: 8,45% (0,25 p.p.)
- Produtos farmacêuticos: 6,18% (0,20 p.p)
Fonte: G1