Em seu primeiro ano de trabalho, aos 21 anos, a analista de TI Bruna Lima conta que desenvolveu o hábito de comer para lidar com a ansiedade de cumprir três turnos de expediente. “Em momentos de muito estresse, eu precisava parar e só conseguia voltar ao que eu estava fazendo depois de comer alguma coisa. E isso se repetia muitas vezes durante o dia: eu podia estar extremamente cheia, ter acabado de jantar, por exemplo, e querer comer mais. Ia além da saciedade, ao ponto de sentir a comida quase voltando”, relata.
Casos como esse por muito tempo foram tidos como gula, o hábito de cometer excessos na comida e bebida, cujo dia é celebrado nesta quarta-feira (26). Entretanto, a nutricionista Thaís Araújo chama atenção para um quadro clínico que tem se tornado comum, especialmente entre adolescentes e universitários, agravado durante a pandemia: o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA), ingestão descontrolada de alimentos em um curto período de tempo.
Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que, no Brasil, 4,7% da população sofre com o transtorno e esse índice é quase duas vezes maior que a média mundial, que gira em torno de 2,6% da população. No país, ao analisar a população na fase da adolescência, o índice aumenta para 10%, especialmente entre mulheres de 14 a 18 anos.
“Não existe uma causa específica, mas várias situações socioculturais, psicológicas e familiares podem ajudar a desenvolver um comer transtornado. Clinicamente, nós definimos a pessoa com TCA quando há, em menos de duas horas, ingestão de uma quantidade de comida maior do que consumiria nas mesmas circunstâncias; quando o paciente come até se sentir desconfortavelmente cheio e com a sensação de falta de controle”, descreve Thais, que também é docente do curso de Nutrição na Estácio.
Em seus atendimentos clínicos, a profissional lida com pacientes que desenvolveram o transtorno ainda na infância, a partir de padrões muito rígidos sobre corpo perfeito. “É comum eu ouvir relatos de pessoas dizendo que comem para tirar um peso da cabeça, colocando no estômago”, relata.
Quem apresenta o Transtorno de Compulsão Alimentar também pode desenvolver hábitos de isolamento ao comer e culpa após o episódio. A nutricionista destaca que fatores emocionais estão interligados à doença e, por isso, um tratamento multidisciplinar é o mais indicado.
Thaís afirma ser necessário que Psiquiatria, Psicologia e Nutrição estejam alinhadas para o melhor tratamento possível, porque o paciente traz consigo sentimentos soterrados que influenciam no quadro clínico – não são incomuns casos de depressão e de ansiedade generalizada estarem associados.
Segundo Helington Costa, especialista em Neuropsicologia e Transtornos Alimentares, o papel do psicólogo no tratamento dos transtornos alimentares como TCA, bulimia e anorexia, estará na descoberta dos fatores psicológicos que influenciam diretamente essas disfunções. “É a partir daí que temos a evolução do diagnóstico e do tratamento, junto às descobertas terapêuticas que derivam dessa compreensão”, afirma
Docente do curso de Psicologia da Estácio, Helington afirma que o TCA também pode estar ligado a casos de restrição alimentar comum em dietas da moda: quando durante a semana, uma alimentação rígida é seguida e no fim de semana, tudo é permitido em um “dia do lixo”.
Isso pode levar ao desenvolvimento de uma compulsão alimentar episódica, que ocorre em eventos específicos como festas de aniversários ou churrascos, e que é natural segundo o profissional, mas cuja repetição pode se tornar prejudicial e nociva à saúde.
Por isso, o especialista recomenda que quem queira emagrecer, procure dietas feitas com o acompanhamento de um profissional da Nutrição para a orientação adequada nesse âmbito.
“O nutricionista vai observar a história do paciente, as razões pelas quais ele apresenta insucesso em suas dietas anteriores, além de sempre ressaltar que o objetivo mais importante a ser buscado é ter uma boa saúde, priorizando sempre uma alimentação balanceada e saudável”, aponta.