A Comissão de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou nesta terça-feira (12) o pedido de cassação do mandato do deputado Arthur do Val (União Brasil) por quebra de decoro parlamentar.
Os nove membros do conselho acataram o parecer do relator Delegado Olim (PP). O processo contra o deputado foi aberto após áudios machistas sobre refugiadas ucranianas terem vazado no início de março, durante viagem para suposta ajuda humanitária ao país.
O processo seguirá agora para votação em Plenário em forma de projeto de lei. A perda de mandato só ocorrerá, de fato, se a maioria dos 94 deputados estaduais votarem a favor do projeto.
A sessão foi marcada por tumulto. A militância do MBL, movimento do qual Do Val faz parte, compareceu à Alesp durante a votação. Com cartazes, gritaram na porta do local da reunião “Não à cassação”.
Mulheres ucranianas que vivem no Brasil e que pedem a punição do parlamentar também estiveram presentes.
“Eu errei, ponto final. Quero pedir desculpas principalmente às mulheres ucranianas que estão aqui. Agora, vamos ser sinceros. Todo mundo sabe que esse processo de cassação não é pelo que eu disse, mas por quem disse. A verdade é que todos aqui me odeiam. Esse processo não é pelos meus defeitos, mas por minhas virtudes”, disse Arthur do Val.
“Vocês vão cortar minha cabeça, mas vão nascer outras no lugar”, afirmou ainda.
Na abertura da reunião, houve bate-boca entre a presidente do conselho, Maria Lúcia Amary (PSDB), e a deputada Isa Penna (Psol), que não faz parte do colegiado.
Amary propôs a suspensão dos trabalhos por dez minutos para a realização de uma reunião privada apenas entre os membros do Conselho de Ética e de Arthur Do Val, a pedido do parlamentar. Isa Penna protestou contra a realização da conversa sem a presença dos outros deputados. Em votação, o pedido de Arthur do Val não foi atendido, e os trabalhos prosseguiram.
Os discursos dos deputados também foram marcados por falas inflamadas, que pediram com veemência a punição do parlamentar.
Testemunha da Ucrânia
Mais cedo nesta terça, o relator Olim afirmou à em entrevista à Globonews que a defesa do parlamentar sugeriu que a Casa escutasse uma testemunha da Ucrânia.
“Ia demorar quantos meses para a gente ouvir essa pessoa, trazer essa pessoa? Isso é tudo [estratégia] da defesa para ganhar tempo”, disse Olim. O delegado afirmou ainda que a população quer que o caso seja tratado com celeridade.
“O povo nos cobra rapidez e quer logo o veredito desse caso. Não é para ficar enrolando. O nome da Alesp está em jogo. Ele foi pra uma guerra, o que ele foi fazer lá? As palavras pesadas que ele falou contra as mulheres, não só da Ucrânia, mas do Brasil inteiro”, disse.
Em nota, Arthur do Val afirmou que espera que os colegas “decidam com base nos fatos e não motivados por vingança”.
“É absurdo o que está acontecendo. O processo de cassação está tramitando em velocidade recorde, sobre um áudio sem crime e com o deputado tendo os direitos de defesa cerceados. Vale ressaltar que a Alesp cassou apenas um deputado em toda sua história e o motivo foi a participação comprovada deste em um esquema de corrupção”, diz o texto.
No dia 7 de abril, Olim entregou ao colegiado seu relatório sobre o caso. Na avaliação do relator, Arthur do Val quebrou o decoro parlamentar ao dizer que as refugiadas ucranianas eram “fáceis porque eram pobres”.
“Os fatos havidos contrapõem-se de maneira contundente com as definições de decoro parlamentar colacionados. (…) Estando evidenciada a gravidade das condutas do representado, flagrantemente atentatórias ao decoro parlamentar, conclui-se este parecer com a proposta de que seja aplicada ao Deputado Arthur Moledo do Val a medida disciplinar de perda do mandato”, disse Olim no documento.
Mandado de Segurança
Embora o processo já estivesse em fase adiantada no Conselho de Ética, Arthur do Val ingressou na Justiça, no dia 6 de abril, com um mandado de segurança solicitando que os áudios usados no processo sejam submetidos a uma perícia técnica que ateste possíveis edições ou alterações.
O mandado judicial foi protocolado pelo advogado do deputado, Paulo Henrique Franco Bueno, que argumenta que nenhuma das 21 representações ingressadas no colegiado “se lastreiam nas mensagens originais enviadas, sendo possível que as falas possam conter cortes e edições”.
“Somente uma perícia técnica poderia verificar se os áudios privados ‘vazados’ de forma ilícita não foram ampliados, unidos, cortados, editados, reorganizados e/ou se não tiveram seu conteúdo alterado de qualquer forma e por qualquer meio”, disse o advogado.
Perícia negada pela Alesp
O pedido de perícia do material já havia sido recusado por unanimidade pelos nove deputados que formam o Conselho de Ética em reunião do colegiado, no dia 5 de abril, que contou com o depoimento da ex-namorada de Arthur do Val.
No depoimento, a enfermeira Giulia Blagitz, que namorou o parlamentar por três anos, afirmou que o próprio Arthur do Val ligou para ela chorando, antes de sair da Europa, e contou do vazamento de suas conversas com um grupo de amigos.
“Ele, antes de entrar no avião [de volta ao Brasil após viagem à Ucrânia], me ligou chorando e disse que os áudios iriam pra imprensa. Explicou o que tinha nos áudios e me enviou os áudios”, afirmou Blagitz.
A ex-namorada também disse que, após a chegada do deputado ao Brasil, o casal se encontrou, e o parlamentar voltou a confirmar o conteúdo dos áudios vazados.
“Eu toquei os áudios na frente dele, a gente conversou sobre os áudios”, afirmou.
Os membros do Conselho de Ética entenderam, então, que não havia necessidade de perícia, uma vez que, além da ex-namorada, o próprio Arthur do Val confirmou à imprensa que foi mesmo o autor das falas machistas e misóginas.
Para o advogado Paulo Henrique Franco Bueno, porém, “a prova oral [ os áudios] é necessária para dirimir todos os detalhes fáticos que envolvem o caso.”
“Ainda que o denunciado tenha reconhecido que enviou mensagens a um grupo privado do Whatsapp – e que algumas passagens são mesmo vergonhosas, a despeito de não serem suficientemente graves para culminar com a cassação de seu mandato –, não há nos autos do processo qualquer prova técnica que ateste a integridade, exatidão e originalidade dos áudios”, argumenta Franco Bueno.
Processo de cassação
O Conselho de Ética da Alesp aprovou, por unanimidade, em 18 de março, a abertura do processo contra Arthur do Val. Ele é alvo de 21 representações pedindo a cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar.
O parlamentar entregou a defesa prévia ao conselho dizendo que não pode ser punido por áudios “vazados ilicitamente” de conversas privadas dele no aplicativo WhatsApp.
Nos áudios, o deputado diz, entre outras coisas, que as “ucranianas são fáceis porque são pobres”.
Ao pedir a inadmissibilidade das representações, o advogado do deputado também alegou que há “extraterritorialidade do ato supostamente ilícito praticado”, já que os áudios foram feitos na Ucrânia, o que “afasta a competência jurídica do Colegiado para processar e julgar o acusado com base nas leis brasileiras.”
Na época da viagem à Ucrânia, Do Val tinha pedido dois dias de licença não remunerada para a Mesa Diretora da Alesp.
O que dizem os áudios?
Nos áudios, que teriam sido enviados para um grupo de amigos do parlamentar, há declarações machistas e misóginas.
“[As ucranianas] são fáceis, porque são pobres. E aqui, minha carta do Instagram, cheia de inscritos, funciona demais. Não peguei ninguém, mas eu colei em duas ‘minas’, em dois grupos de ‘mina’. É inacreditável a facilidade. Essas ‘minas’ em São Paulo você dá bom dia e ela ia cuspir na sua cara e aqui são super simpáticas”, diz trecho da mensagem.
O deputado estadual também teria comparado a fila de refugiadas à fila de uma balada.
“Acabei de cruzar a fronteira a pé aqui, da Ucrânia com a Eslováquia. Eu juro, nunca na minha vida vi nada parecido em termos de ‘mina’ bonita. A fila das refugiadas, irmão. Imagina uma fila de sei lá, de 200 metros ou mais, só deusa. Sem noção, inacreditável, é um bagulho fora de série. Se pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui.”
Em outro trecho, o áudio diz: “Passei agora quatro barreiras alfandegárias, duas casinhas pra cada país. Eu contei, são doze policiais deusas. Que você casa e faz tudo que ela quiser. Eu estou mal cara, não tenho nem palavras para expressar. Quatro dessas eram ‘minas’ que você se ela cagar você limpa o c* dela com a língua. Assim que essa guerra passar eu vou voltar para cá”.
Fonte: G1