Governadores do Rio Grande do Norte, do Distrito Federal e de mais dez estados protocolaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido de liminar contra a lei 194 aprovada pelo Congresso que considera combustíveis, telecomunicações, energia elétrica e transporte coletivo bens essenciais. A lei limita a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a um teto máximo entre 17% e 18%.
A ação ocorre depois de São Paulo e Goiás terem saído na frente reduzindo as alíquotas do ICMS, o que causou mal-estar entre os estados que esperavam uma saída jurídica conjunta.
Além do DF e do RN, assinam a ação os governadores de Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Sergipe, Alagoas e Ceará. Chamou atenção o fato de que nenhum dos estados do Sudeste e do Norte do País assinaram a ADI.
Na ação, os governadores afirmam que a lei representa um intervencionismo sem precedentes da União nos demais entes subnacionais, por meio de desonerações tributárias. Eles acusam o governo de querer resolver o problema da espiral inflacionária no País com um truque de “passe de mágica”. “O truque a ser tirado da cartola não é um coelho, mas uma bomba prestes a explodir no colo de estados, DF e municípios”, diz o texto.
Entre os inúmeros pontos questionados na ação, os estados apontam uma invasão de competência constitucional reservada às unidades federativas para a fixação de alíquotas. Eles argumentam que a competência da União para editar leis complementares tributárias não abrange a fixação de alíquotas.
Para os governadores, trata-se de uma ofensa às regras de repartição de competências postas na Constituição, que viola a autonomia financeira dos entes subnacionais com “ônus excessivo e desproporcional” aos cofres estaduais e municipais.
“Vem agora a União, com essa nova lei complementar, interferir outra vez na tributação, pelo ICMS, incidente não apenas nos combustíveis, mas agora também no gás natural, na energia elétrica, nas comunicações e do transporte coletivo”, diz a ação numa referência à lei complementar 192 aprovada em março que estabeleceu uma alíquota uniforme do ICMS para os combustíveis derivados de petróleo e lubrificantes com a cobrança monofásica (concentrada em um segmento da cadeia).
Os estados afirmam que as regras compensatórias pelas perdas de arrecadação, previstas na lei, são inexequíveis e ressaltam que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados. Apenas combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia responderam por quase 30% do valor arrecadado com o imposto. Os municípios, que ficam com 25% da arrecadação do ICMS, também perderão receitas.
A lei foi aprovada com um gatilho para a compensação, que é disparado quando a queda da arrecadação for superior a 5%. Para os estados, esse gatilho praticamente impossibilita a complementação de recursos pela União. “Pelo texto do Senado Federal, essa queda na arrecadação seria calculada considerando apenas os itens tratados no projeto. Porém, a Câmara determinou que o cálculo fosse sobre a arrecadação global, exatamente para dificultar que o gatilho seja acionado”, aponta o texto da ADI, que foi protocolada na última segunda-feira (27), às 21h25.
Os governadores reclamam que governo e o Congresso têm buscado “diuturnamente” reduzir as fontes de arrecadação de estados, Distrito Federal e municípios, com a ampliação do bolo da arrecadação da União.
“Não se pode admitir que, com tais medidas inconsequentes, os estados tenham suas contas comprometidas, em prejuízo do custeio da saúde e da educação, que serão os mais afetados quando a arrecadação despencar da noite para o dia, assim como serão impactados os fundos estaduais de combate à pobreza”, ressalta um dos trechos da ADI, que cita estimativa de perdas de R$ 155 bilhões calculadas pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados.
A ação questiona o enquadramento de combustíveis fósseis e poluentes como bem essenciais e aponta que é esperado e razoável tributar mais os combustíveis fósseis do que outros bens. Para os estados, essa mudança, realizada por uma questão conjuntural, irá engessar o sistema e não atacará os seus pontos estruturais. “Ao contrário, serão favorecidos os proprietários de veículos automotores, em detrimento dos usuários de serviços públicos, e haverá um incentivo indevido a energias mais poluentes, em detrimento dos compromissos internacionais ambientais assumidos pelo Brasil”, diz o texto.
Os estados querem que a ação seja anexada em recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União que trata do ICMS de combustíveis e que tem o ministro Gilmar Mendes como relator. Gilmar conduz nesta terça (28) uma reunião de conciliação com representantes dos estados sobre esse recurso da União.
Fonte: Estadão