A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, afirmou nesta quarta-feira (14) que o destino dos recursos das emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, é “recoberto por um manto de névoas”.
Rosa Weber é relatora de ações que contestam a regularidade dessas emendas e apontam suposta afronta à Constituição. A ministra é a primeira a votar no julgamento em plenário dessas ações.
Confira, abaixo, trechos do voto da ministra:
“O chamado orçamento secreto nada mais é do que uma parcela do orçamento público reservado a um tipo específico de emenda, as emendas do relator. Pelo visto, as emendas do relator sempre existiram.”
“Em 2019, contudo, a legislação orçamentária, a LDO e a LOA, restabeleceu a hegemonia do relator geral no processo orçamentário ampliando substancialmente o valor destinado às emendas do relator.”
“Sozinho [em 2020], o relator geral obteve mais recursos do que todos os demais congressistas, bancadas estaduais e comissões juntos, além de uma quantia 157% superior a todas as emendas parlamentares do ano anterior somadas.”
“A controvérsia sobre o orçamento secreto não se restringe, entretanto, à exorbitância dos valores consignados ao relator geral do orçamento em cotejo às demais emendas. Mais alarmante do que a amplitude do orçamento federal posto sob o domínio de um único parlamentar, somente o mistério das negociações em torno do destino a ser dado a esses recursos. Mais alarmante, sem dúvida.”
“É que as emendas do relator foram consignadas em favor de um grupo restrito e incógnito de parlamentares, encobertos pelo véu da rubrica rp9. Apenas o relator-geral do orçamento figura no plano formal como ordenador das despesas, enquanto os verdadeiros autores das indicações preservam o anonimato.”
“Não apenas a identidade dos efetivos solicitadores, mas também o próprio destino desses recursos acha-se recoberto por um manto de névoas. Isso porque não há efetiva programação orçamentária. As dotações consignam elevadas quantias vinculadas a finalidades genéricas, vagas e ambíguas. Somente no momento empenho, às vésperas da liquidação do pagamento, torna-se possível identificar quem será o beneficiado dos recursos e o objeto das despesas. (…) Não há realmente oportunidade para o exercício do controle orçamentário preventivo.”
“As despesas classificadas sob a rubrica RP-9, emendas do relator, não eram ordenadas apenas pelo relator-geral do Orçamento. Na realidade, as indicações de beneficiários de tais recursos na sua grande maioria foram encaminhados diretamente por senadores e deputados ou líderes à Secretaria de Governo da Presidência da República.”
“Por isso, trata-se de um orçamento secreto, não se sabe quem são os parlamentares integrantes do grupo privilegiado, não se conhecem as quantias administradas individualmente, não existem critérios objetivos e claros para a realização das despesas, tampouco observam-se regras de transparência na sua execução.”
Entenda por que o orçamento secreto não é transparente
“Nem mesmo o Congresso e o Ministério da Economia foram capazes de identificar nesses autos os ordenadores das despesas registradas sob o classificador rp9 ou os critérios adotados para justificar esses gastos, ou obras e bens que foram adquiridos ou objetivos vinculados ao planejamento orçamentário que foram alcançados com esses recursos.”
“Emendas do relator tornaram-se o novo ‘locus’ [lugar] destinado às negociações reservadas à construção da base de apoio do governo no Congresso.”
O que está em jogo
Partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL) – PSOL, Cidadania e PSB – querem que o orçamento secreto seja declarado inconstitucional. A análise teve início na semana passada, mas nenhum voto havia sido proferido.
- orçamento secreto foi o nome informalmente dado às emendas parlamentares, recursos repassados aos estados sem critérios claros ou transparência
- em novembro de 2021, Rosa Weber suspendeu temporariamente esses pagamentos e determinou que o Congresso criasse um sistema para dar publicidade aos gastos
- a decisão da ministra foi confirmada pelo plenário do STF, por 8 votos a 2
- os repasses foram liberados posteriormente
- o Supremo discute, no entanto, se essa modalidade de liberação de recursos é constitucional
Congresso tenta solução
Para tentar resolver o impasse jurídico sobre o orçamento secreto, Câmara e Senado apresentaram em conjunto uma proposta.
- o projeto estabelece percentuais específicos das emendas para as cúpulas do Senado e da Câmara
- reserva parte das emendas para o presidente e o relator da Comissão Mista de Orçamento (CMO)
- prevê que o restante das emendas será distribuído entre os partidos, de acordo com o tamanho das bancadas
Um ofício foi encaminhado mais cedo ao STF para informar aos ministros sobre a proposta, mas, ao início da sessão, Rosa Weber afirmou que essa informação não prejudica o andamento do julgamento.
Fonte: g1