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[ARTIGO] O alerta da águas de março para Natal

Chuvas causam alagamentos em vários trechos de Natal - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Por Arthur Dutra, advogado, comunicador e autor do livro “Natal do Futuro”.

São as águas de março fechando o verão…”. A célebre música de Tom Jobim sempre é lembrada quando, iniciado o terceiro mês do ano, as chuvas lavam o suor que escorreu pelos nossos corpos na estação mais animada do ano. Mas tais águas molham bem mais do que as calçadas e os veranistas ainda bronzeados. Neste fim de verão já tivemos registros de intempéries em Natal, que deram um duro recado para todos nós. A natureza está avisando com antecedência o que pode vir, então é preciso assimilar a mensagem e tomar as providências para quando elas vierem ainda mais fortes. E virão.

Natal tem um histórico de temporais, mas todos registrados entre junho e julho. Em junho de 1985, Natal registrou, num único dia deste mês, uma tempestade de 312,4 mm; também em junho de 2014, 271,2 mm; ainda em junho de 2011 foram 257,8 mm num único dia; novamente em junho de 2008, despencaram 252,3 mm; por fim, em julho de 1996 foi registrada uma imensa precipitação de 247,4 mm. Nosso histórico, portanto, recomenda precaução, notadamente em tempos de mudanças climáticas que já mostraram, no Brasil e no mundo, seu ampliado poder destrutivo.

Esse retrospecto que, por si só, já deveria ser suficiente para ações efetivas de prevenção, é reforçado pelos diversos alertas que o INMET já expediu, em 2023, para Natal e o Rio Grande do Norte, anunciando que teremos, sim, um inverno mais forte.

Tais avisos, aliás, foram ignorados, quando não subestimados, em desastres como o mais recente – mas não o último – ocorrido no litoral de São Paulo em meio ao carnaval. O preço pago pela incúria foi altíssimo, tanto em vidas humanas como em danos materiais. Ignorar os alertas da meteorologia e fechar os olhos para a ocupação irregular de áreas de risco como aquela, aliás, tem se mostrado uma combinação catastrófica.  

Em Natal, a Defesa Civil já mapeou pelo menos três comunidades que podem ser consideradas de maior risco de movimentação de massa, localizadas em encostas e, portanto, susceptíveis a calamidades: Mãe Luiza, Comunidade do Jacó (Praia do Meio) e Passo da Pátria. Mãe Luiza, aliás, foi palco de um episódio trágico causado pelas fortes chuvas que caíram em Natal em junho de 2014, em plena Copa do Mundo.

Além dessas, o Plano Diretor de Natal (Lei Complementar 208/2022) já tem mapeado, por determinação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), todas as áreas de risco de alagamentos, inundação fluvial, erosão e movimento de massa. São dezenas de pontos com essas características e riscos espalhados por todos os bairros de Natal. A informação, portanto, está nas mãos do poder público. Há, também no Plano Diretor, a obrigação do munícipio elaborar dois planos pertinentes a essa situação: um de Redução de Riscos e outro de Contingência, Proteção e Defesa Civil. Resta agir, e com antecedência.

Tais ações preventivas devem se basear, inclusive, numa política habitacional eficiente, de modo a realocar de maneira digna as famílias que ocupam irregularmente as regiões de maior risco já mapeadas no Plano Diretor. Em alguns casos não é preciso retirar as famílias, mas deve-se reforçar a informação junto aos moradores sobre os cuidados necessários para evitar deslizamentos e inundações. Além disso, é preciso adotar soluções inteligentes, que aproveitem a velocidade de comunicação que os meios digitais proporcionam, para informar com rapidez sobre a chegada de chuvas em volume anormal quando não houver tempo de realocar comunidades inteiras.

As informações estão disponíveis, os alarmes já soaram, os tristes precedentes da negligência ainda estão muito vivos na nossa memória. Estamos no fim de março. Junho, o feliz mês do São João, não tarda a chegar. É tempo de festa, de fartura, de cantar músicas juninas. Mas se nada for feito, ou feito pela metade, para reduzir as possibilidades de tragédias, estaremos ainda entoando, talvez entre lágrimas, uma versão adaptada da canção citada no início do artigo: é pau, é pedra, é o fim do caminho… para famílias inteiras.

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