A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) ouviu, na quinta-feira (28), o dono do perfil Choquei, que publicou nas redes sociais notícia falsa sobre a estudante mineira Jéssica Canedo. Ela morreu depois de denunciar ataques sofridos nas redes sociais após a divulgação de um suposto relacionamento entre ela e o humorista Whindersson Nunes. Ambos negaram terem qualquer tipo de contato.
O delegado da Polícia Civil de Araguari que investiga o caso, Felipe Oliveira, confirmou ao g1 nesta sexta-feira (29) que Raphael Souza foi ouvido por videoconferência e prestou declarações. A polícia não divulgou detalhes do depoimento. As investigações seguem.
“Vamos apurar se houve algum induzimento ou instigação dolosa ao suicídio da Jéssica”, disse Felipe Oliveira.
Também na quinta-feira, o perfil Choquei divulgou nota nas redes sociais dizendo que, no depoimento, foram apresentados fatos e documentos para contribuir nos esclarecimentos do caso.
“Foram fornecidas provas sobre o fato gerador da notícia falsa – que foi publicada originalmente por um outro perfil e republicada posteriormente pela Choquei – e foram disponibilizadas imagens de diálogos que mostram os procedimentos adotados assim que a falsidade foi descoberta, como a retirada imediata do conteúdo falso republicado”. Veja a íntegra abaixo.
Comentários podem ter influenciado na morte de Jéssica
O delegado disse que “está claro no inquérito” que os comentários em redes sociais podem ter influenciado na morte da jovem. Nas próximas etapas do processo, os autores de publicações ofensivas na internet também podem ser investigados.
Segundo Felipe, por conta do teor dos comentários encontrados, a polícia pediu a quebra do sigilo de perfis para identificar os responsáveis pelos ataques.
“Se o comentário for ofensivo à honra, seria um crime contra a honra de ação penal privada. Agora, se for um comentário que realmente induziu ou diretamente instigou a Jéssica a cometer o suicídio, aí, sim, responderia pelo crime do artigo 122 do Código Penal, que é o objeto da nossa investigação”, explicou.
ENTENDA: Segundo o artigo 122 do Código Penal, é crime “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio material para que o faça”. A pena prevista é de reclusão de um a três anos.
Conforme o delegado, já ficou comprovado no inquérito que os ataques sofridos e a repercussão do caso afetaram a saúde mental da estudante.
“Agora, o que precisamos entender é se houve diretamente e dolosamente alguma instigação ao suicídio, mas que houve um impacto na vida dela, que já vinha debilitada, passando por tratamento psicológico, sem dúvida, houve”, acrescentou.
O delegado disse ainda que as páginas que divulgaram as supostas conversas entre Jéssica e Whindersson não são investigadas no inquérito atual, que é focado nas circunstâncias da morte.
“Houve uma conduta imprudente dessas páginas, mas o crime que nós estamos investigando, que é a possível instigação ao suicídio, só é punido a título de dolo. E me parece que não foi isso que aconteceu. As páginas foram imprudentes por divulgar uma notícia sem verificar a veracidade, mas isso por si só não configuraria o crime de instigação ao suicídio”, explicou o delegado.
Porém, segundo o delegado, esses perfis podem responder na Justiça caso a família entre com uma ação penal na esfera privada, alegando que a publicação dos prints configurou crime contra a honra da estudante.
Em nota divulgada na quarta (27), o advogado da família de Jéssica, Ezequiel Souza, disse que os parentes esperam que “quem espalhou notícias falsas e possam ter contribuído para o suicídio de Jéssica sejam responsabilizados”.
Ainda segundo o delegado, já foram ouvidas a mãe e outras pessoas próximas à jovem. Oliveira explicou que o caso é investigado não apenas por ter alcançado repercussão nacional, mas por se tratar de suicídio, que configura morte violenta.
“Nossa prioridade é ouvir as pessoas mais próximas a ela, até pra gente entender o ambiente em que a Jéssica vinha vivendo, qual era a situação dela, tanto psicológica, quanto familiar. O que a gente tem é que Jéssica já vinha passando por uma depressão, já tinha tentado suicídio outras vezes, então estamos tentando entender esse contexto primeiro para definir quais serão os próximos passos da investigação”, completou.
O que diz a família
“Com profunda tristeza a família da jovem Jéssica Abadia Vitória Dias Canedo vem se manifestar sobre seu falecimento, ocorrido em 22/12/2023.
Vivemos numa era em que a informação se tornou amplamente acessível, especialmente por meio das redes sociais. Nunca antes na história da humanidade a disseminação de informações foi tão rápida e significativa para a sociedade.
No entanto, diante da prematura partida de Jéssica, não podemos ignorar os riscos associados à propagação de informações falsas, desconexas e inverídicas, que têm prejudicado cotidianamente a vida de inúmeras pessoas e afetado a sociedade como um todo.
Embora o direito à liberdade de expressão esteja consagrado na Constituição Federal, sua prática deve observar os demais direitos previstos na Carta Magna, sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana.
Torna-se, portanto, imperativo responsabilizar aqueles que ocupam posições de comunicadores em redes sociais pelos impactos de suas ações na vida alheia, assim como determina nosso ordenamento jurídico.
Assim, buscaremos e confiamos na justiça para que todos os envolvidos na disseminação de notícias falsas que possam ter contribuído para o falecimento de Jéssica sejam responsabilizados conforme a lei.”
O que diz a Choquei
“O perfil Choquei lamenta profundamente o ocorrido com Jéssica Vitória Canedo e se solidariza com sua família. Informamos aos seguidores que, em sinal de respeito pelo trágico acontecimento, as redes da Choquei estavam paralisadas até este momento.
Nesta quinta-feira, dia 28 de dezembro, o proprietário do perfil Choquei prestou esclarecimentos à Polícia CIvil de Minas Gerais e apresentou fatos e documentos que contribuem para elucidar o episódio e dar a real dimensão do papel da Choquei no caso.
Foram fornecidas provas sobre o fato gerador da notícia falsa – que foi publicada originalmente por um outro perfil e republicada posteriormente pela Choquei – e foram disponibilizadas imagens de diálogos que mostram os procedimentos adotados assim que a falsidade foi descoberta, como a retirada imediata do conteúdo falso republicado.
Neste momento, a Choquei passa por um profundo processo de reavaliação interna dos métodos adotados visando a implementação de filtros e códigos de conduta para evitar que episódios dessa natureza voltem a acontecer.
A choquei está à disposição para contribuir com os órgãos de investigação, assim como colaborar para o aprimoramento do setor de notícias online.
Reiteramos nossa solidariedade e total apoio à familia de Jéssica Vitória Canedo”.
Relembre
Dias antes da morte, o nome de Jéssica foi alvo de fake news. Prints falsos que simulavam uma conversa entre ela e o humorista Whindersson Nunes foram divulgados por perfis de fofoca em redes sociais.
Com isso, ela começou a sofrer ataques na internet. Jessica chegou a publicar uma mensagem no Instagram, pedindo a exclusão dos posts. O humorista também apontou que as mensagens eram falsas.
No dia 24 de dezembro, o influenciador Whindersson Nunes usou as redes sociais para lamentar a morte de Jéssica. No vídeo, o artista propõe ainda a criação da Lei Jéssica Vitória, para regulamentação de perfis nas redes sociais.
Fonte: g1