Por Arthur Dutra Advogado e comunicador. Autor do livro “Natal do Futuro” (2021)
Nesta semana o país testemunhou uma manifestação, no mínimo, inusitada: trabalhadores que simplesmente rejeitam um benefício que o governo oferece para eles. Refiro-me à manifestação organizada pelos motoristas de aplicativos de transporte individual, que foram às ruas para dizer, em alto e bom som, que são contra o PLP 12/2024.
Este PLP 12/2024, enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, tem quatro eixos (remuneração, previdência, segurança e saúde e transparência), mas o cerne da proposta é a regulamentação da relação entre os motoristas, as plataformas e, principalmente, o governo. Ou melhor, quanto os motoristas e os aplicativos terão que pagar aos cofres púbicos nesse tipo de relação contemporânea que não se enquadra nas categorias tradicionais da CLT.
A taxação, que tem como destino a previdência social, seria de 27,5% (20% pagos pelas plataformas e 7,5% pelos motoristas). Taxação previdenciária, na verdade, já existe e é paga majoritariamente pelos trabalhadores através de MEI (Microempreendedor individual), mas ela não é do tamanho que o governo quer. Por isso a sanha “regulatória” e a pressa de um governo cuja política econômica se restringe a aumentar a arrecadação. Por isso também os motoristas por aplicativo são contra esse PLP, pois vai apenas encarecer o serviço, limitar sua autonomia, afastar o usuário, deixar os motoristas reféns de sindicatos, mas sem ampliar a renda nem a proteção social para esses trabalhadores.
Existe uma frase que se atribui ao ex-presidente americano Ronald Reagan (1911-2004) que resume bem a postura do Estado diante dos fenômenos econômicos que surgem espontaneamente na sociedade como o Uber: “A visão do governo sobre a economia poderia ser resumida em poucas frases curtas: se ela se movimenta, taxe-a; se ela continua se movimentando, regule-a; e se ela para de se mover, subsidie-a“. É uma pérola de sabedoria que se aplica com perfeição ao Brasil.
Não é de hoje que o modelo de negócio conhecido popularmente como “uber” sofre ataques. Entre 2015 e 2016, câmaras municipais do Brasil todo foram inundadas com projetos de lei para proibir o Uber, grandemente forçadas por lobbys de taxistas, então monopolistas desse serviço nas grandes cidades. A resistência era tão grande que tivemos até episódios de violência e agressões em várias capitais em que a Uber começou a operar.
Alguns integrantes da Justiça do Trabalho, contrariando farta jurisprudência do STF, ainda insistem em reconhecer que existe vínculo trabalhista clássico entre motoristas e aplicativos, criando um ambiente de tensionamento e insegurança jurídica nesse campo. O Congresso Nacional também já foi palco de tentativas de inviabilizar o serviço. Enfim, são muitas as frentes de batalha…
Como Estado sempre termina vencendo, hoje o serviço de transporte individual por aplicativos já é amplamente regulamentado em todos os níveis. Mas ele se adaptou, continua se movimentando e sendo fonte de renda de quase 1,5 milhão de brasileiros. Mas agora vem o passo seguinte: uma taxação pesada, contra a vontade dos beneficiários, mas cheia, claro, de boas intenções. No melhor estilo “não tem que querer!”. Quando o modelo começar a sucumbir sob essa mão de ferro, encarecendo o serviço e gerando desemprego, não vai demorar a aparecer alguém – a empresa, o sindicato, ou os dois – pedindo subsídio estatal, completando, assim, o itinerário da destruição a que se refere Reagan.