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Luta com atleta intersexo no boxe vira alvo de polêmica; entenda o que diz o regulamento dos jogos de Paris

Boxeadora argelina Imane Khelif. Foto: Reprodução/ Instagram

Atletas transgênero e intersexo ainda enfrentam um cenário de incerteza em grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de Paris. É o caso da boxeadora argelina Imane Khelif. Ela venceu a luta contra a italiana Angela Carini nesta quinta-feira (1º).

Carini, que desistiu do combate após 46 segundos de luta, explicou que o abandono não teve nada a ver com a situação envolvendo a adversária. Mesmo assim, as boxeadoras foram alvo de fake news que afirmavam que Carini havia deixado a luta porque a adversária seria uma atleta transgênero.

Em nota, o Comitê Olímpico Internacional (COI) afirmou que “toda pessoa tem o direito de praticar esportes sem discriminação”, afirmou que “as duas atletas têm participado em competições internacionais de boxe por muitos anos na categoria feminina” e classificou como “enganosas” publicações questionando a legitimidade de Khelif.

Imane Khelif não é transgênero. Khelif se identifica como mulher e cresceu como mulher. A atleta faz parte do grupo de pessoas que podem ser consideradas intersexo porque nasceram com alguma variação hormonal que não se encaixa nas normas médicas para corpos do sexo feminino ou masculino. Antigamente, era utilizado o termo ‘hermafrodita’, que, além não estar correto do ponto de vista biológico, é considerado ofensivo.

Algumas pessoas com a condição têm órgãos genitais femininos, mas têm cromossomos sexuais XY (que determinam o sexo masculino) e níveis de testosterona no sangue compatíveis com o corpo masculino. É o caso da corredora sul-africana Caster Semenya, que foi impedida de disputar as olimpíadas de Tóquio em 2021.

Khelif estava liberada para competir? O que define se atletas com variações intersexuais podem ou não participar de competições esportivas são as normas das federações de cada modalidade esportiva. A Associação Internacional de Boxe (IBA), por exemplo, tem regras mais rígidas, que impediriam atletas com cromossomos XY de competir em eventos femininos. Apesar disso, Imane Khelif pôde competir porque a IBA foi banida pelo COI em 2023.

Atletas trans e intersexo nas Olimpíadas

A primeira atleta trans a participar de uma competição olímpica na categoria de gênero com a qual se identifica foi a neozelandesa Laurel Hubbard, no levantamento de peso, em Tóquio. No mesmo ano, a seleção feminina de futebol canadense tinha na equipe Quinn, atleta que teve autorização para continuar no futebol feminino mesmo após se declarar uma pessoa transgênero e não binária – que não se identifica nem com o gênero masculino, nem com o gênero feminino.

E em Paris?

Apenas dois atletas transgênero se classificaram para competir nas Olimpíadas de Paris: Nikki Hiltz, no atletismo, e Quinn, no futebol canadense.

Tanto Hiltz quanto Quinn são pessoas trans não binárias. Isso quer dizer que elas não se identificam 100% nem com o gênero feminino, nem com o gênero masculino.

Uma pessoa trans não necessariamente é alguém que transicionou de homem para mulher ou vice-versa. Pessoas não binárias também são pessoas transgênero.

Quinn e Nikki foram designadas como mulheres ao nascer e disputam medalhas na categoria feminina, ainda que não se identifiquem com o gênero.

Quem pode participar?

O g1 procurou o Comitê Olímpico Internacional (COI) para entender quais são as regras para a participação de atletas transgênero e intersexo nas Olimpíadas de Paris. Em 2021, o órgão lançou uma cartilha (ainda em vigor) com dez princípios para “promover a igualdade de gênero e inclusão”.

Entre outras determinações, segundo as diretrizes do COI:

  • Cabe a cada federação esportiva criar suas regras, que podem variar conforme o esporte;
  • O atleta tem direito de contestar a Federação Internacional no Tribunal Arbitral do Esporte.

“Mulheres trans tinham que reduzir a testosterona a um valor específico e mantê-la assim por 12 meses antes de competir. A política foi amplamente adotada por várias das federações desportivas”, explica Harper.

Apesar de o nível de testosterona ter sido adotado como critério por grande parte das federações, ele não é consenso na comunidade científica. Waleska Vigo, pesquisadora na área de gênero e esporte olímpico, explica como testes que levam em conta fatores como este podem excluir atletas intersexo.

“Tem gente que tem a testosterona elevada, mas tem uma mutação nesse receptor que faz com que ela não tenha efeito no corpo. Tem atletas com a testosterona lá em cima, mas esse efeito não se dá na prática”, aponta Vigo, que é doutora pela Escola de Educação Física e Esporte da USP.

A pesquisadora relembra ainda o caso da ex-jogadora de vôlei Erika Coimbra, que foi reprovada no teste de gênero nas Olimpíadas de Sidney, em 2000, devido a uma condição chamada “Síndrome de Morris”, que eleva os níveis de testosterona no corpo. Na época, Erika teve de provar pela certidão de nascimento que era uma mulher cisgênero (entenda os termos a seguir).

​Entenda os termos

  • Cisgênero: pessoas que se identificam com o gênero designado ao nascer, baseado no sexo biológico (masculino ou feminino).
  • Intersexo: pessoas que nasceram com características que não se enquadram nas normas médicas para corpos do sexo feminino ou masculino. Essa condição pode estar relacionada a cromossomos, órgãos genitais, hormônios, entre outras questões.
  • Transgênero: Pessoas que não se identificam com o gênero designado ao nascer, baseado no sexo biológico (masculino ou feminino).
  • Não-binárias: Pessoas que não se identificam com identidades de gênero 100% masculinas ou femininas.

Afinal, atletas trans têm vantagem?

Joana Harper avalia que atletas trans podem eventualmente ter vantagens esportivas sobre atletas cis, mas também fala em “desvantagens potenciais” como consequência da terapia hormonal e transição de gênero.

“De maneira geral, as mulheres transexuais são mais altas e mais fortes do que mulheres cis, mesmo com terapia hormonal, mas também têm desvantagens potenciais. As nossas estruturas maiores agora são sustentadas por massa muscular reduzida, capacidade aeróbica reduzida e isso pode levar a desvantagens em coisas como rapidez, e giros e recuperação”, avalia Harper.

Para a pesquisadora, o mundo esportivo está recheado de exemplos nos quais determinados grupos de atletas têm vantagem sobre outros. “Permitimos que atletas canhotos compitam contra atletas destros, embora atletas canhotos tenham vantagens em muitos esportes, por exemplo.”

É possível criar uma categoria só para atletas trans?

Harper explica por que não é realista pensar em uma categoria separada só para atletas trans.

“Nos esportes coletivos isso simplesmente não funciona. Se você tivesse um time de futebol brasileiro transgênero, precisaria colocar 11 jogadores de futebol trans do mesmo sexo em campo ao mesmo tempo. E mesmo se você fizesse isso, contra quais outros países você jogaria?”

Pessoas trans representam aproximadamente 1% da população mundial. Para Joanna, o cenário ideal de inclusão trans no esporte seria correspondente à parcela existente.

“Se tudo fosse igual, um por cento dos atletas da categoria feminina seriam transexuais. E então, em Jogos Olímpicos, estaríamos vendo aproximadamente 50 atletas trans competindo.”

Fonte: g1

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