O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta-feira (21), para uma audiência sobre seu acordo de delação premiada.
Cid deve prestar esclarecimentos depois de um relatório da Polícia Federal apontar omissões e contradições entre seu depoimento da última terça-feira (19) e as descobertas dos investigadores sobre um plano para matar autoridades em 2022.
À PF, Cid afirmou que desconhecia a trama para assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. No entanto, as apurações sobre os preparativos surgiram a partir de conversas encontradas em seu celular.
Ao convocar a audiência, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que ela servirá para “esclarecimentos relacionados aos termos da colaboração (regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade)”. Caberá a ele decidir sobre o destino da delação fechada entre Cid e a Polícia Federal.
Esses requisitos estão previstos na lei que traz as regras para a delação. Se não forem cumpridos, o acordo pode ser desfeito. As provas obtidas a partir das declarações, no entanto, podem ser mantidas.
Ao blog da Andréia Sadi, a defesa do militar afirmou que não existe motivo para que Cid perca os benefícios de delação premiada. E que, se o acordo for anulado, ele vai recorrer da decisão
A delação premiada de Mauro Cid já esteve em jogo em março deste ano. Na ocasião, o militar foi preso depois de prestar depoimento no Supremo, após a divulgação, pela revista Veja, de áudios em que ele se dizia pressionado nos depoimentos que prestou à polícia.
O que é a delação premiada?
A delação premiada, conhecida também como colaboração premiada, é um acordo feito entre uma pessoa investigada por crimes, o Ministério Público e a Polícia Federal.
De um lado, as autoridades podem obter informações úteis para a solução do caso; de outro, o investigado pode garantir benefícios no processo penal e na condenação.
A lei define a colaboração como um meio de obtenção de prova. Na prática, o relato dos colaboradores traz possíveis caminhos para que a polícia desenvolva as investigações.
Para serem válidas, as delações precisam seguir as regras previstas em lei: devem revelar informações relevantes, como a identidade dos outros participantes e estrutura hierárquica e a divisão de tarefas do grupo criminoso; também deve ser feita pelo colaborador de forma voluntária.
Pelas regras, uma delação não pode servir, por si só, como base para a apresentação de denúncias ou para uma condenação em processo penal. Ou seja, ela precisa ser confirmada por outras apurações feitas pelos investigadores, com provas independentes.
O procedimento, que pode ser feito pela polícia ou Ministério Público, passa por análise da Justiça, que pode homologar (validar) ou não os termos do acordo.
Em que situações ela pode ser desfeita?
O acordo entre investigado e autoridades pode ser desfeito quando os requisitos da colaboração (citados acima) não são cumpridos. Além disso, a negociação pode ser anulada se houver “omissão dolosa” de fatos por parte do colaborador.
Nestas situações, cabe à Justiça avaliar se os termos da negociação foram descumpridos, a partir das informações repassadas pelos investigadores.
Nesse procedimento, o próprio colaborador também é ouvido, para apresentar sua versão. É o que vai acontecer nesta quinta, quando Cid será chamado a prestar esclarecimentos sobre sua conduta.
Quando foi validado o acordo com Mauro Cid?
O acordo de delação de Mauro Cid foi homologado, ou seja, validado pelo ministro Alexandre de Moraes em setembro do ano passado. A negociação foi feita entre o militar e a Polícia Federal.
Cid tinha sido preso meses antes, em maio daquele ano, em uma operação da PF sobre a fraude em cartões de vacina.
Ao validar o acordo, Moraes também concedeu liberdade provisória a Cid, com a aplicação de medidas de restrição de direitos:
- uso de tornozeleira eletrônica;
- limitação de sair de casa aos fins de semana e também à noite;
- obrigação de se apresentar à Justiça, suspensão do porte de armas;
- proibição de usar redes sociais e de falar com outros investigados;
- cancelamento do passaporte; e
- proibição de viagens ao exterior e afastamento das funções no Exército.
Na decisão, o ministro alertou que o descumprimento das medidas levaria Cid novamente à prisão.
O que aconteceu durante a vigência do acordo de Mauro Cid?
Em março deste ano, a revista Veja divulgou áudios em que Mauro Cid acusou investigadores de irregularidades na condução da delação.
Na ocasião, Cid foi chamado ao Supremo para explicações. Disse que os áudios eram “mero desabafo”.
Negou pressões dos investigadores, afirmou que a delação foi feita de forma voluntária e que o procedimento seguiu a lei.
Após o depoimento, ele saiu da Corte preso por descumprimento das medidas cautelares e por obstrução de Justiça.
Em maio, Moraes concedeu nova liberdade provisória a Cid. Também entendeu que a delação continuava regular e deveria ser mantida.
“Não se verifica a existência de qualquer óbice à manutenção do acordo de colaboração premiada nestes autos”, declarou.
À época, a Procuradoria-Geral da República (PGR) também defendeu a manutenção do acordo.
“Os elementos trazidos aos autos indicam que o investigado segue contribuindo com as investigações e que permanecem hígidos os requisitos legais do acordo de colaboração premiada”, sustentou a PGR.
Por que a delação de Mauro Cid corre risco novamente?
O aprofundamento das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 levou a Polícia Federal a deflagrar, na última terça-feira (19), a operação Contragolpe.
Na ação, foram presas cinco pessoas acusadas de planejar a morte do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
O ponto de partida desta apuração envolveu conversas encontradas no celular de Mauro Cid, em que ele fazia referências ao monitoramento da movimentação de Moraes. E se desenvolveu a partir dos diálogos dos militares presos.
Em depoimento também na terça-feira (19), horas depois da operação Contragolpe, Cid disse à Polícia Federal desconhecer o plano.
Os investigadores não ficaram satisfeitos com o que ele falou e enviaram ao STF um relatório, informando inconsistências nas declarações do militar.
O que disse a defesa de Mauro Cid?
Ao blog da Andréia Sadi, o advogado de Mauro Cid, Cezar Bittencourt, negou que o militar tivesse conhecimento de qualquer plano de matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
“Desconhece completamente. Não omitiu nada. Ele não tem absolutamente nada a ver com isso”, afirmou.
Sobre Cid ter conhecimento de uma tentativa de golpe de estado, Bittencourt disse que “todo mundo sabe que quem podia dar golpe estava no Planalto e fugiu para os Estados Unidos”.
Bittencourt também disse que não existe motivo para que Cid perca os benefícios de delação premiada. E que, se o procedimento for anulado, vai recorrer da decisão.
A quem cabe decidir sobre a validade da delação?
Caberá ao ministro Alexandre de Moraes avaliar se, diante do relato da PF sobre omissões e contradições, ainda se mantém válido o acerto feito por Mauro Cid com as autoridades.
O ministro vai verificar se a negociação atende aos requisitos previstos na lei e se houve omissão dolosa de algum fato.
Se houver decisão pela anulação e recurso da defesa contra ela, o caso será decidido de forma colegiada, possivelmente pela Primeira Turma do STF.
O que pode acontecer com Mauro Cid?
Se a delação for anulada, Mauro Cid pode perder benefícios que foram negociados com os policiais.
A lei que trata da delação prevê que um colaborador tem direito ao perdão judicial (perdão de pena determinado pelo juiz), redução da pena em até 2/3 ou substituição desta por restrição a direitos.
Ao longo do caso, Cid também teve direito à liberdade provisória. No entanto, nas decisões em que concedeu a medida, o ministro Alexandre de Moraes deixou claro que o descumprimento das determinações pode levá-lo de volta à prisão.
Além disso, em março, a prisão do militar se deu sob a acusação do crime de obstrução de Justiça, algo que pode ocorrer se a conclusão foi no sentido de que ele atuou para dificultar a atuação dos investigadores.
O que pode acontecer com as provas obtidas nas investigações?
Cabe a Moraes avaliar se é possível manter a negociação com o Cid.
Também ficará com o ministro a tarefa analisar se as provas podem ser mantidas.
Com o desenvolvimento das investigações, os elementos obtidos pela Polícia Federal foram além das declarações do militar. Envolveram, por exemplo, o conteúdo de celulares apreendidos com investigados em outras fases das apurações.
Segundo o blog da Natuza Nery, policiais que estão no caso avaliam que o celular de Cid foi mais importante do que as declarações dele.
No entendimento dos investigadores, a delação até serviu para preencher alguns buracos, mas não mudou o rumo das investigações ou trouxe alguma informação bombástica. O material mais importante foi o celular de Cid, que a PF conseguiu sozinha.
A lei não fixa de forma clara o que fazer com as provas neste caso. Mas regras internas do Ministério Público Federal que falam da condução das delações permitem que as provas sejam preservadas.
Fonte: G1