Mensagens enviadas pelo presidente Jair Bolsonaro ao então ministro da Justiça, Sérgio Moro, comprovam que partiu do chefe do Executivo a decisão de intervir na Polícia Federal e trocar o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo. “Moro, Valeixo sai esta semana”, escreveu o presidente, às 6h26 do dia 22 de abril. “Está decidido”, afirmou ele em outra mensagem, enviada na sequência, encerrando a conversa. “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex oficio (sic)”.
A resposta de Moro foi enviada 11 minutos depois, às 06h37m. “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah disposição para tanto”, disse o ex-juiz da Lava Jato. A série de quatro mensagens obtidas pelo Estadão consta do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga se Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações de investigações sigilosas contra seus filhos e amigos, como acusou Moro.
O diálogo mostra, ainda, que a decisão do presidente de mudar o comando da PF já tinha sido tomada horas antes da reunião ministerial ocorrida naquele mesmo dia 22 de abril, a partir das 10 horas, no Palácio do Planalto. O vídeo com o conteúdo do encontro foi tornado público nesta sexta-feira por decisão do ministro do Supremo Celso de Mello, relator do inquérito que pode ter como desfecho até mesmo o afastamento do presidente.
A conversa contraria duas versões que Bolsonaro tem dado em sua defesa e ajuda a explicar a posição de Moro na reunião ministerial, quando foi constrangido pelo presidente a fazer mudanças na corporação. A mensagem deixa claro, ainda, que Bolsonaro já havia decidido pela demissão de Valeixo de forma unilateral e sugere, quando Bolsonaro não lhe deixa alternativas, que a relação de confiança com o seu então ministro da Justiça havia sido quebrada.
Até este momento, Bolsonaro tem sustentado em entrevistas que foi Valeixo quem pediu para ser demitido, alegando cansaço. Segundo ele, isso comprova que não houve interferência da sua parte. Na sexta-feira, após a divulgação do vídeo, Bolsonaro novamente repetiu, em entrevista na portaria do Alvorada, que foi o próprio diretor-geral da PF quem quis deixar o cargo. “O senhor Valeixo de há muito vinha falando que queria sair. Na véspera da coletiva do senhor Sérgio Moro, dia 24, o senhor Valeixo fez uma videoconferência com os 27 superintendentes do Brasil, onde disse que iria sair. Eu liguei pro senhor Valeixo, o qual respeito, na quinta-feira, à noite. Primeiro ele ligou pra mim. Depois eu retornei a ligação pra ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai amanhã? Ex-officio ou a pedido?’. A pedido (foi a resposta de Valeixo, segundo Bolsonaro). E assim foi publicado no DOU. Lamento ter constado o nome do ministro da Justiça ali. É porque é praxe”, disse Bolsonaro..
Em depoimento no inquérito, no dia 11 de maio, Valeixo contou que jamais formalizou um pedido de demissão. De acordo com ele, um dia antes da publicação no Diário Oficial da União, recebeu um telefonema do próprio presidente questionado se ele concordava que sua exoneração saísse a pedido. Sem alternativa, o ex-diretor concordou. Valeixo relatou ainda que Bolsonaro justificou que queria alguém no cargo com quem tivesse “afinidade”.
Próximo da família Bolsonaro, o delegado Alexandre Ramagem, atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi nomeado para o comando da PF. Não pode, porém, tomar posse por uma decisão do ministro do STF, Alexadre de Moraes. Com isso, a direção-geral da instituição foi entregue ao delegado Rolando Alexandre de Souza, considerado um braço-direito de Ramagem.
A troca de mensagens foi retirada do celular do ex-ministro Sérgio Moro. O aparelho foi entregue por ele na ocasião do seu depoimento nesse inquérito.
Na sexta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à Procuradoria Geral da República um pedido de partidos de oposição para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido em busca de mais provas da suposta interferência dele na PF. A reação do Planalto veio do ministro do Gabiente de Segurança Intitucional (GSI), general Augusto Heleno, que, em nota, ameaçou dizendo que uma decisão favorável a esse pedido poderia ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
Três horas depois dos diálogos obtidos pelo Estadão na qual Bolsonaro dá a ordem para mudar a PF ocorreria a reunião ministerial tornada pública ontem na qual Bolsonaro afirma claramente que desejava troca na “segurança” do Rio.
“Mas é a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Bolsonaro.
Em outro momento, Bolsonaro diz que não pode ser “surpreendido com notícias”. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, reclamou. O presidente disse ainda que ia interferir em todos os ministérios. “E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … uma extrapolação da minha parte. É uma verdade”, afirmou Bolsonaro, olhando para o lado onde estava Moro.
Próximo da família Bolsonaro, o delegado Alexandre Ramagem, atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi nomeado para o comando da PF. Entretanto, não pode tomar posse por uma decisão do ministro do STF, Alexadre de Moraes. Com isso, a direção-geral da instituição foi entregue ao delegado Rolando Alexandre de Souza, considerado um braço-direito de Ramagem.
Troca de mensagens
O novo diálogo revelado pelo Estadão ocorreu um dia antes de Bolsonaro, em 23 de abril, enviar a Moro o link de uma notícia do site “O Antagonista”, com a manchete: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas. “Mais um motivo para a troca”, diz o presidente. A matéria faz referência ao inquérito das fake news, conduzido no Supremo Tribunal Federal. Em seguida, Moro explica ao presidente que as diligências foram determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
No dia seguinte, em 24 de abril, o DOU trouxe a exoneração “a pedido” de Valeixo e Moro se demitiu durante uma coletiva de imprensa. A imagem com o diálogo foi revelada pelo ex-ministro no mesmo dia pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, e confirmada pelo Estadão.
Em 5 de maio, Bolsonaro exibiu o seu celular com mensagens trocadas por ele e Moro na tarde do dia 22 de abril para dizer que o ex-ministro havia mudado de versão sobre a tentativa de interferência na PF. “Isso é uma mentira deslavada”, disso
A imagem mostra que mostra que ele enviou o mesmo link da matéria do Antagonista sobre a investigação de aliados. Moro respondeu: “Isso é fofoca. Tem um DPF (diretor da Polícia Federal) atuando por requisição no inquérito das fake news e que foi requisitado pelo Min (ministro) Alexandre. Não tem como negar o atendimento a requisição do STF”, escreveu Moro.
As mensagens enviadas na manhã do dia 22 de abril, em que Bolsonaro avisa Moro que demitirá Valeixo , não foram mostradas pelo presidente.
Fonte: Terra