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Ivermectina “mal funciona para piolho”, afirmou nova secretária de Saúde

(Foto: Agência Brasil)

Escolhida pelo Ministério da Saúde para chefiar a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, a médica infectologista Luana Araújo é defensora da vacinação em massa, já declarou ser favorável a medidas restritivas e contra o “kit covid”, mesmo para pacientes com sintomas leves. Recentemente, ela afirmou que “todos os estudos sérios” demonstram a ineficácia da cloroquina e que a ivermectina é “fruto da arrogância brasileira” e “mal funciona para piolho”.

A nova secretária foi anunciada pelo ministro Marcelo Queiroga para coordenar as ações contra o coronavírus na quarta-feira, 12, depois de o País já ter registrado mais de 425 mil mortes desde o início da pandemia. A pasta foi instituída por decreto do presidente Jair Bolsonaro no dia anterior, em meio à CPI da Covid no Senado, que apura possível responsabilidade do governo na condução da crise sanitária.

“Não é minha opinião, é o que a ciência mostra hoje. Nenhuma dessas medicações têm qualquer efeito positivo no combate à covid”, afirmou a infectologista em março. A declaração foi feita durante uma live com o vereador Rafael Pacheco (Podemos) de Adamantina, interior de São Paulo, sua cidade de origem.

“A hidroxicloroquina a gente já sabia que não ia funcionar. E todos os estudos sérios, bem feitos, multicêntricos — quer dizer, feitos ao redor do mundo ao mesmo tempo–, cheio de recursos mostram que não funcionou. E ponto”, disse Luana, na live. “A ivermectina é fruto da arrogância brasileira. O brasileiro não investe em ciência, mas acha que tem a chave para resolver as coisas.”

O uso desses remédios foi defendido diversas vezes por Bolsonaro, pessoas do governo e aliados políticos desde o início da pandemia. O presidente também acumula críticas da comunidade científica por ser flagrado em aglomerações sem máscara, questionar a eficácia do isolamento social e dar declarações confusas sobre vacinação.

Na conversa com o vereador de Adamantina, a infectologista defendeu, ainda, a imunização em massa: “Não vira jacaré”. A fala faz referência a uma declaração de Bolsonaro, no ano passado, sobre a proposta de uma farmacêutica para fornecer vacina. “Lá no contrato da Pfizer está bem claro: ‘Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você’”, disse o presidente na ocasião.

Além da escolha da médica para liderar a nova secretaria, o ministério anunciou a campanha de conscientização com a “família do Zé Gotinha”, ícone da imunização no Brasil. A mensagem, que busca incentivar as pessoas a tomarem as duas doses da vacina e manter os cuidados mesmo após a aplicação, com uso de máscara e distanciamento social, destoa da postura adotada publicamente pelo governo Bolsonaro até então.

Há quase dois meses no cargo, Queiroga se equilibra em posições que não contrariem, por um lado, a comunidade médica e científica e, por outro, o presidente. Nas entrevistas, o novo ministro evitou manifestar apoio ao lockdown e se esquivou de fazer defesa da cloroquina na CPI.

Filha de médico e de professora, Luana dividiu a carreira entre a saúde e a arte. Cantora e pianista de formação clássica, ela relata ter se apresentado em festivais desde a infância e ido estudar música na Áustria aos 15 anos, já com o ensino médio concluído. Era três anos adiantada na escola e a família alegava ser “superdotada”.

No Linkedin, declara ter feito graduação e residência médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de mestrado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiadas do mundo. Ainda de acordo com o relato na plataforma, ela teria sido a primeira brasileira a receber uma bolsa específica de pós-graduação em saúde pública na instituição.

Recentemente, prestava consultoria para o Banco Mundial, entidade que destinou U$ 2 bilhões para vacinas em países menos desenvolvidos. No seu site, chamado “Des-Infectando!, Infectologia Sem Mistérios”, também diz ter como clientes a Light, a Pet Club, uma clínica veterinária, e a Prefeitura de Nova Mutum, interior de Mato Grosso.

Em entrevista ao professor Josh Sharfstein, da Johns Hopkins, divulgada em fevereiro, Luana mostrou-se defensora do Sistema Único de Saúde (SUS) e, sem citar nomes, criticou a “politização” de medidas de combate à covid. Segundo analisou, a precariedade da educação deixa as pessoas vulneráveis à desinformação no País.

“É fácil manipular a população”, disse, em inglês. “No momento em que a pandemia virou uma questão política, todo mundo começou a lutar pelas suas próprias mentiras e não pensando como uma sociedade.”

No seu site, a médica também já publicou texto defendendo o isolamento social, medida que é alvo de uma série de contestações de Bolsonaro. “Tem sido difícil conviver com as dores físicas e emocionais causadas pela doença, a perda de pessoas queridas – são mais de 1 milhão e oitocentas mil mortes pelo mundo, as medidas restritivas de controle de transmissão (as únicas eficazes nessa luta) e os efeitos econômicos da sua adoção”, escreveu há cinco meses. Hoje, o total de vítimas já supera 3,3 milhões.

Em outro artigo, em colaboração para o Covid-19 Brasil, plataforma mantida por cientistas independentes e voluntários, Luana defendeu que medidas de restrições são eficazes contra a pandemia. “Vários modelos publicados até o momento⁠, que estimam a transmissibilidade do vírus, mostraram que as medidas de isolamento horizontal impactaram esse número. Ou seja: ele atinge a doença. Sem dúvida. Tem efeito epidemiológico.”

A cientista, no entanto, pondera que é preciso considerar aspectos sociais para estabelecer qual o modelo seria mais adequado. “O Brasil e outros países de baixo e médio desenvolvimento socioeconômico, dada a proporção de informalidade das suas economias, tendem a sofrer muito mais as repercussões deletérias do isolamento. Um remédio amargo, difícil de engolir, com efeitos colaterais potencialmente gravíssimos”, escreveu.

“Na prática, essas soluções alternativas recaem sobre outras variáveis ainda mais complicadas: poder e vontade política, apoio popular, resultados econômicos precoces, resposta pandêmica adequada, dados científicos atualizados, liderança e coragem, muita coragem para implementar uma intervenção inédita. Não é nada simples ou fácil.”

Questionada por Pacheco sobre o cenário para os próximos meses, Luana anteviu a piora da pandemia no fim de março e cobrou adesão popular para o distanciamento social e os cuidados necessários. “A gente só vai ter uma resposta maior da doença na população, como um todo, quando atingir 70% da população vacina. Menos do que isso, a gente vai melhorar as coisas, mas não vai melhorar a ponto de poder falar: ‘Agora a restrição fica menor’”, disse. “Com a informação de hoje, das vacinas que foram ditas que iam ser compradas, não acontece antes do final do ano.”

Fonte: Estadão

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