Por Stephany Souza
Da redação 98 FM Natal
O maior acervo cinematográfico da América do Sul, a Cinemateca Brasileira, na Zona Oeste de São Paulo, que foi atingido por um incêndio de grandes proporções na noite da última quarta-feira (29), já corria risco antes da data da tragédia que destruiu boa parte da história cultural do país.
Segundo o corpo de bombeiros, o fogo iniciou-se no teto do galpão, onde havia uma grande concentração de filmes em rolo, rico em nitrato, que possuía alta capacidade de propagar as chamas rapidamente.
Contudo, a causa do incêndio não se resume apenas a má conservação dos materiais. Em julho de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a União após evidente abandono da Cinemateca Brasileira, que estava desde o ano passado sem receber os recursos necessários para manutenção e preservação do acervo.
No ano de 2018, o então presidente Michel Temer concedeu para a organização social Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, a responsabilidade de administrar o orçamento vindo do governo federal para a Cinemateca. O contrato, que deveria ter durado até 2021, foi suspenso pelo ex-ministro da educação, Abraham Weintraub, “de forma unilateral e sem motivo juridicamente admissível”, segundo aponta o MPF, em dezembro do ano passado.
Com o encerramento da parceria, a gestão da Cinemateca Brasileira também foi invalidada. A instituição federal avisou que sem a equipe necessária para realizar a manutenção das obras e a operar o sistema de refrigeração, o espaço poderia entrar em chamas a qualquer momento. Agora soma-se ao que sobrou: quatro faturas de energia elétrica em atraso, 150 funcionários sem salário e falta de equipe para manutenção básica.
A repercussão também chegou aos artistas brasileiros. A atriz Samantha Schmütz criticou duramente a omissão da classe artística após o incêndio. Em sua rede social Instagram, a atriz alfinetou os colegas de trabalho que não comentaram o ocorrido na instituição.
“Cara, é muito triste o que está acontecendo com o nosso cinema, com a nossa cultura. Fico pensando que as pessoas, os artistas que apoiam esse governo, que ajudaram a eleger esse governo, que fazem cinema, estão quietas”, disse Samantha.
Além do silêncio dos seus colegas de profissão, a artista criticou também o descaso do cinema nacional.
“Essas pessoas, que usurpam da arte para fazer somente coisas periféricas, usam da arte somente para fazer publis, capas, presenças, eventos, mas não estão nem aí para o cinema nacional… Essas pessoas deveriam ter vergonha na cara e nunca mais pisar em um set de filmagens, nem para fazer figuração.”
"Meu sonho é que pseudo artistas não ocupem o lugar de verdadeiros artistas. Ao invés de tá em Cannes vcs deveriam tá em CANA."
Samantha Schmutz, eu te venero! pic.twitter.com/Ysxx5dIInV
— Dan Pimpão 🏳️🌈 (@PimpaoDan) July 30, 2021
A atriz Fernanda Montenegro também se pronunciou em suas redes sociais. Entristecida com a tragédia, a atriz disse que “o incêndio na nossa Cinemateca Brasileira em São Paulo é uma tragédia anunciada”, ela lamentou. “Toda a nossa Cultura das Artes sofre um ‘cala a boca’ neste momento. Mas vamos renascer, tenho certeza, das cinzas vamos renascer. É sagrado o eterno retorno. Um país não existe sem cultura ligada às artes.”
Os primeiros passos para recuperar a preservação da Cinemateca Brasileira iniciou logo após o incêndio. A Secretaria Especial da Cultura do governo federal lançou um edital para selecionar a entidade privada sem fins lucrativos, que pode ser qualificada ou a ser qualificada, que irá gerir as atividades da instituição pelos próximos cinco anos.
O contrato prevê o aporte de R$ 10 milhões anuais e o edital está publicado no Diário Oficial da União (DOU).