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Homem foragido há 28 anos por matar e atear fogo no corpo da sua companheira é preso após receber auxílio emergencial

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em 1993, o vendedor Joel Theodoro Lopes, então com 32 anos, assassinou sua companheira, Iolanda Melo, com um espeto de churrasco e ateou fogo no corpo, encontrado dias depois abandonado em um local ermo da cidade de Guapó (GO). Procurado e condenado pela Justiça, ele sumiu do mapa sem deixar rastros. Não adquiriu bens, nem forneceu dados pessoais a quem quer que fosse. Até que, 27 anos depois, Lopes solicitou ao governo federal o auxílio emergencial, o benefício criado para ajudar vulneráveis durante a pandemia de covid-19 – e foi atendido.

Lopes recebeu R$ 3,9 mil em oito parcelas do auxílio (cinco de R$ 600 e três de R$ 300) em 2020. Neste ano, também foi contemplado com a nova rodada do benefício, e recebeu mais quatro parcelas de R$ 150 até ser capturado pela polícia em 19 de agosto, no município de São João da Boa Vista (SP). Uma quinta parcela foi enviada para depósito dois dias antes de sua prisão.

O auxílio emergencial acabou sendo uma peça-chave para a família de Iolanda, com ajuda do grupo de inteligência da Polícia Civil do Distrito Federal, descobrir o paradeiro de Lopes. Não só o auxílio emergencial estava vinculado ao município de São João da Boa Vista, mas também o telefone celular necessário para confirmar o cadastro no sistema do governo ainda era usado por ele.

O episódio está longe de ser um caso isolado. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), 25.891 beneficiários do auxílio em 2021 estão com mandado em aberto e são procurados pela Justiça. Os dados foram obtidos a partir de cruzamento com o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O resultado foi enviado às polícias e unidades regionais da CGU. Dos foragidos, pelo menos 300 foram capturados, mas o número pode ser maior porque os mandados de prisão são cumpridos por autoridades locais.

“O resultado dos cruzamentos foi encaminhado ao Ministério da Cidadania, gestor do programa de auxílio emergencial, para análise quanto à pertinência do cancelamento dos benefícios desses foragidos, à luz do entendimento consolidado de que as pessoas que possuem mandado de prisão em aberto não fazem jus ao benefício”, diz a CGU.

O Ministério da Cidadania afirma que as recomendações de órgãos de controle são analisadas, mas diz não ter detalhes sobre o cancelamento ou não desses benefícios. O auxílio de 2021 aproveitou o cadastro realizado no ano passado, ou seja, os 25.891 já recebiam a ajuda em 2020. No ano passado, a CGU mapeou mais de 27 mil foragidos contemplados. Os números mostram que pouca coisa mudou de lá para cá.

Embora o próprio auxílio tenha servido de ajuda para descobrir o paradeiro do criminoso, a jornalista Talita Melo de Carvalho, neta de Iolanda, questiona o critério de concessão. Nas investigações, foi detectado que Lopes usava o dinheiro até mesmo para pedir entrega de comida. “Ele estava recebendo auxílio emergencial. Qual é o critério? Por que ele não caiu (na avaliação)? Qual é o processo de aprovação para receber um auxílio desse?”, questiona Talita.

A prisão de Lopes é o desfecho de uma busca iniciada pela tia-avó de Talita ainda nos anos 1990, mas que, segundo a jornalista, não contou com muito empenho da polícia à época. Depois de convencer Iolanda a sair de Brasília, onde morava com a família, para Goiânia (GO), Lopes a assassinou, levou consigo joias que a então companheira comercializava e falsificou sua assinatura para vender o carro.

“Minha mãe e minha tia-avó começaram uma saga para encontrá-lo. Minha avó imprimiu vários cartazes com uma foto que achou, contratou detetive particular… Ela se esforçou muito e juntou tudo que pesquisou numa caixa. Tirou cópia do processo, de tudo. Ficaram mais um tempo tentando encontrar, e a polícia nunca achou. Então, arquivaram o caso”, conta ela.

Talita tinha pouco mais de um ano quando sua avó foi assassinada. Só depois que completou 20 anos, porém, é que soube a verdade sobre como o caso. “Passamos a vida inteira com meus familiares falando que ela tinha morrido do coração. Há uns seis anos, me contaram a história e fiquei com isso na cabeça. Até assimilar, demorou um pouco. Então, comecei a ver muitos casos de feminicídio, (pensava que) minha vó morreu assim, e esse cara está aí. Foi aí que eu perguntei para minha tia-avó, e ela falou que tinha a caixa”, diz ela, que tem hoje 29 anos.

Procurado, o Ministério da Cidadania listou uma série de ações integradas com outros órgãos para coibir fraudes, pagamentos indevidos e estruturar uma “trilha de auditorias”. Segundo a pasta, mais de 15 bancos de dados são utilizados para aferir se uma pessoa é elegível ou não ao benefício, entre eles o BNMP. “Essas informações alimentam o banco de dados de processamento da Dataprev, que faz mensalmente um novo processo de verificação da elegibilidade ao benefício”, diz a nota. A Cidadania, porém, não esclareceu se os beneficiários com mandado em aberto, apontados pela CGU, tiveram os repasses suspensos.

Até agora, o governo recuperou R$ 5,1 bilhões pagos indevidamente – devolvidos de forma voluntária pelos beneficiários. O auxílio já pagou mais de R$ 337 bilhões em ajuda a vulneráveis.

O advogado que acompanhou Lopes após a prisão informou que não atua na defesa do vendedor, a quem conheceu com outro nome, e disse que não se manifestaria sobre o caso.

Com informações do Estadão


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