O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou nesta terça-feira, 14, que vai propor no seu relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid mudanças na lei do impeachment para forçar que a Câmara analise pedidos contra o presidente da República. A proposta é estabelecer um tempo mínimo para o presidente da Casa analisar denúncias oriundas da CPI. Caso o prazo não seja cumprido, caberia ao plenário, onde os demais 512 deputados votam, decidir se aceita iniciar um processo.
A alteração na legislação que trata do impeachment proposta por Renan tem apoio entre o grupo majoritário da comissão. O parlamentar pretende entregar o parecer até a semana que vem, no dia 23 ou 24. A intenção da cúpula da comissão é possibilitar que as conclusões da investigação da CPI provoquem a abertura de um processo de afastamento do presidente Jair Bolsonaro na Câmara. A mudança na lei, no entanto, depende de aprovação no Congresso.
“Essa Comissão Parlamentar de Inquérito é uma oportunidade única para que a gente possa fazer uma revisão nessa legislação como um todo e até mesmo na lei do impeachment, que é de 1950. Muitos artigos já foram revogados e, portanto, ela precisa ser atualizada na linha de estender a garantia jurídica e deixar absolutamente claro a sua tramitação”, afirmou Renan antes do início da reunião da CPI de hoje. Ele não detalhou quais mudanças deve propor.
Hoje, há 131 pedidos de impeachment na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), mas o início do processo depende exclusivamente de uma decisão dele. Não existe condição ou prazo determinado para que o presidente da Casa dê andamento a processos de impedimento.
Aliado de Bolsonaro, Lira tem dito a interlocutores que não há clima para abertura de um processo e nem votos suficientes na Câmara para aprová-lo. A avaliação é de que, sem o apoio formal de partidos de centro, o pedido de impeachment não tem chance de prosperar. Hoje, as siglas de oposição reúnem 132 deputados. Mesmo que haja uma adesão de todas as legendas consideradas independentes e não ocorra dissidência nas bancadas – cenário considerado improvável -, o número não chegaria aos 342 votos necessários para que a cassação seja aprovada.
O Estadão apurou que a proposta de mudar a lei de impeachment foi incluída por Renan após ele consultar integrantes do grupo Prerrogativas, que reúne advogados, professores e juristas. A sugestão foi alterar a legislação para retirar o “poder absoluto” do presidente da Câmara, estabelecendo prazos para que ele se manifeste sobre denúncias contra o presidente e posteriormente, se mandar arquivar, apresente ao plenário, que poderia decidir pela continuidade.
O advogado Fábio Tofic, da Simantob Advogados, que faz parte do Prerrogativas, sugere que o Supremo Tribunal Federal faça um filtro dos pedidos de impeachment antes de serem analisados pelo plenário da Câmara. “Poderia haver um mecanismo de submeter ao Supremo Tribunal Federal para ver se eles (pedidos de impeachment) têm o mínimo de procedência jurídica, o mínimo de fundamento jurídico porque o impeachment é um processo jurídico-político”, sugeriu. “Isso tiraria da mão do plenário (da Câmara) e só permitiria que fosse para a Câmara aquilo que efetivamente tem base jurídica para começar”, completou.
Integrantes do grupo sugeriram também medida semelhante em relação ao procurador-geral da República. Caso a decisão do procurador-geral seja de não abrir uma denúncia após pedidos de indiciamento feitos pela CPI, a denúncia do colegiado teria de ser submetida para subprocuradores avaliarem.
Após a aprovação do relatório final da CPI, prevista para os dias 29 ou 30, o documento deve ser encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) e até a tribunais internacionais, enquadrando Bolsonaro em uma série de crimes cometidos no enfrentamento da covid-19.
Senadores da CPI apoiam mudança na lei de impeachment
A proposta para obrigar a Câmara a analisar um pedido de impeachment de Bolsonaro com as conclusões da investigação tem apoio no grupo majoritário da comissão, formado por senadores de oposição ou independentes.
“Acho que é perfeitamente viável fazer isso. Depois de um trabalho exaustivo desse, de investigação da CPI, se votar um relatório que vai ser bem consistente porque tem provas contundentes contra várias pessoas, a Câmara não poderá, como parte do Congresso, ignorar isso”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA).
Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), a mudança na legislação é “uma boa ideia”, mas ele avalia que vai ser necessário negociar com o restante do Congresso para que a medida entre em vigor. “Isso tem que ser resultado de uma discussão muito mais ampla, que extrapola a questão da CPI. Afinal de contas, a CPI não tem por objetivo abertura de processo de impeachment. É uma questão que deve envolver uma discussão do Congresso Nacional como um todo”, disse. “A CPI, ao que ela pode chegar, é uma constatação do crime de responsabilidade. A partir daí, tudo vai para a Câmara”, afirmou o petista.
Para Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a sugestão de Renan é “razoável”. O senador deve apresentar um parecer independente ao do relator com conclusões sobre a investigação da comissão, que poderá ser incorporado nas conclusões finais do colegiado. “A ideia é respeitável e faz todo sentido numa lógica, se você tem notícias graves, você precisa ter um desfecho disso. Mas, infelizmente, não tem funcionado assim em relação aos outros 130 pedidos. Então, não sei se com relação a esse, vai andar.”
A tropa de choque de Bolsonaro na CPI da Covid também prepara um relatório paralelo para ser apresentado na comissão e deve votar contra as conclusões de Renan. O parecer governista está sendo formulado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RR) em articulação com Jorginho Mello (PL-SC), Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Eduardo Girão (Pode-CE). A sugestão de Renan de mudar a lei do impeachment foi criticada entre os aliados do Planalto. “Bobagem. Isso é para aumentar palanque”, disse Jorginho Mello.
O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), disse ser favorável à ideia de retirar poderes do presidente da Câmara sobre o destino dos pedidos de impeachment. “Na prática tem uma certa razão. De fato, o que deve prevalecer não é a vontade do presidente (da Câmara), é se existe ou não fundamentos de apoio necessário para fazer”, afirmou. Ele, no entanto, prevê dificuldades para que a medida avance. “É uma proposta que vai evidentemente exigir muito debate. Até porque vai ter que pautar isso, a pauta quem faz é o presidente. Se ele é contra o projeto, ele não vai pautar”, alertou.
Um projeto de lei no mesmo sentido foi apresentado no ano passado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que é vice-presidente da Casa. O projeto de lei impõe um prazo de dez dias para que o presidente da Câmara analise denúncias de crime de responsabilidade cometidos pelo presidente da República. O texto está parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e não tem sequer relatoria definida.
CPI deve propor indiciamento de Bolsonaro, Pazuello e Élcio Franco
Em paralelo à consulta feita por Renan ao Prerrogativas, um grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior finalizou um parecer de mais de 200 páginas sobre os possíveis crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. A conclusão dos técnicos será avaliada pelo relator.
“A gente recebeu o relatório da primeira comissão de juristas, várias autoridades são enquadradas, dentre elas o presidente Bolsonaro em crimes comuns, de responsabilidade e crimes contra a humanidade. Eles (juristas) colaboram nessa construção, a adequação entre os fatos comprovados e o Direito”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente na comissão.
Os crimes comuns estão relacionados ao descumprimento de medidas de saúde pública com resultado morte). Dentre as autoridades que devem ser enquadradas em algum tipo de crime, além de Bolsonaro, estão o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello – general e atual secretário de Estudos Estratégicos na Presidência da República – e o ex-secretário-executivo da pasta Elcio Franco – coronel e atual assessor especial da Casa Civil.
Fonte: Estadão
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