O presidente Jair Bolsonaro jogou por água abaixo a tese de diplomatas de que faria um discurso mais sóbrio do que os anteriores na abertura da Assembleia-Geral da ONU, sem, desta vez, apelar para sua base ideológica. Logo no início da sua fala, o presidente insistiu na retórica de que seu governo é melhor do que o retratado na imprensa e disse, como fez em 2019, que o Brasil esteve “à beira do socialismo”. Nos cerca de 13 minutos de pronunciamento, mentiu ou distorceu informações sobre manifestações no País, dados ambientais e corrupção em seu governo. Ele ainda atacou governadores e prefeitos por políticas de isolamento social na pandemia de covid-19, defendeu o chamado “tratamento precoce” contra covid-19 — em referência a medicamentos comprovadamente ineficazes contra covid, como hidroxicloroquina e ivermectina — e se colocou contrário a “passaportes de vacinação”.
“Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisão. O Brasil mudou e muito depois que assumimos o governo em janeiro de 2019”, disse Bolsonaro. “O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição, valoriza a família e deve lealdade a seu povo. Isso é muito, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo.”
A narrativa anti-socialista tem apelo junto à base eleitoral de Bolsonaro, que ele buscou agradar no palco internacional, como fez sobretudo em sua primeira participação na ONU, em 2019. Assim, nesta manhã, o presidente aproveitou para atacar a “ditadura bolivariana” da Venezuela e o financiamento brasileiro a obras em “países comunistas”, em referência a empréstimos feitos pelo BNDES nas gestões petistas.
O presidente ainda citou na ONU os atos antidemocráticos de 7 de Setembro, quando apoiadores do seu governo foram às ruas defender o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e a destituição de ministros. Na ocasião, Bolsonaro também fez ameaças a integrantes da Corte. Segundo o presidente, as manifestações foram as maiores da história do País, o que não é verdade. Protestos contra o governo de Dilma Rousseff, em 2016, por exemplo, reuniram número maior de pessoas.
Pandemia
A fala de Bolsonaro sobre a pandemia destoa do tom de líderes globais que, no plenário da ONU, têm defendido com ênfase a vacinação como saída para debelar a pandemia de coronavírus. O presidente ainda atribuiu à política de isolamento social a inflação em alta no País, uma das principais ameaças a sua campanha à reeleição. O chamado “lockdown”, considerado a forma mais eficaz de se evitar a propagação do vídeus, foi defendida por líderes do mundo que participam hoje da ONU, como o americano Joe Biden e o britânico Boris Johnson.
Único líder do G-20 a abertamente declarar que não se vacinou, Bolsonaro disse apoiar a vacinação, mas levantou poréns: “Apoiamos a vacinação, contudo, o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”. Como mostrou o Estadão, diplomatas brasileiros tinham a expectativa de que o brasileiro anunciasse a doação de doses de imunizantes a países da América Latina, como uma agenda positiva para melhorar a imagem do País no mundo, mas Bolsonaro ignorou a sugestão.
“A pandemia pegou a todos de surpresa em 2020. Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram legado de inflação no mundo todo”, afirmou o mandatário brasileiro, referindo-se indiretamente a governadores e prefeitos que adotaram tais restrições em território nacional.
Ao defender o tratamento precoce, que inclui substâncias contra-indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no combate à pandemia, Bolsonaro usou seu caso como exemplo. “Desde o início da pandemia apoiamos a autonomia do médico em busca do tratamento precoce. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”, afirmou. “Não entendemos porque muitos países se colocaram contra o tratamento inicial (precoce). A história e a ciência saberão responsabilizar a todos.”
Meio Ambiente
Ao falar sobre a questão ambiental, Bolsonaro disse que o Brasil tem “grandes desafios” em razão da “dimensão continental” do País. Ele repetiu que o Brasil antecipou de 2060 para 2050 o compromisso de atingir a neutralidade climática, como fizera em abril.
O presidente ainda citou dados de redução nos níveis de desmatamento da Amazônia em agosto e afirmou que isso foi uma consequência do aumento de recursos para fiscalização ambiental. O incremento, porém, só ocorreu após uma sequência de recordes negativos de crescimento de áreas queimadas e desmatadas. Bolsonaro afirmou também que o País irá “buscar consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global” na COP-26.
Desde sua eleição, Bolsonaro é visto pela comunidade internacional como um líder com aspirações antidemocráticas e que coloca em risco a Floresta Amazônica, os direitos de minorias, instituições democráticas e, desde o início da pandemia, a vida dos brasileiros. Em 2019, na sua primeira aparição na ONU, Bolsonaro fez uma fala recheada de referências religiosas, disse que o Brasil esteve “à beira do socialismo”, atacou adversários políticos e países como Cuba e Venezuela e sugeriu que o presidente da França, Emmanuel Macron, tinha “espírito colonialista”. Na época, o presidente era aconselhado pelo então chanceler Ernesto Araújo, que incentivava o discurso de desafio à ordem global e ao que o na época ministro chamava de “globalismo”.
Militares
Além do que disse no discurso, chamou a atenção omissões de Bolsonaro no discurso na ONU. Ao iniciar a sua fala, o presidente retirou a menção a “militares”. “O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo”, dizia o texto original divulgado pelo Palácio do Planalto, mas que não foi falado pelo presidente.
Bolsonaro também não mencionou a questão do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Na quinta-feira, 16, em transmissão ao vivo nas redes sociais, o presidente já havia dito que defenderia na ONU o tema, um assunto que o Itamaraty não queria que fosse abordado por avaliar que tem interesse apenas doméstico e não para o público internacional, além de acirrar o confronto com o Supremo.
O julgamento do marco temporal na Corte foi interrompido por tempo indeterminado após um pedido de suspensão pelo ministro Alexandre de Moraes. Se a tese for ratificada, uma terra indígena só pode ser demarcada se ficar comprovado que os índios estavam naquele território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O presidente Jair Bolsonaro defende a consolidação desse entendimento.
Fonte: Estadão
WHATS 98 FM
Quer receber notícias na palma da sua mão? É muito fácil. Para ficar bem informado, mande um “oi” agora mesmo para o nosso WhatsApp e fique atualizado.
Fale conosco: 99998-9898