Clérigos franceses abusaram sexualmente de mais de 200 mil crianças nos últimos 70 anos, revelou uma grande investigação divulgada nesta terça-feira, e seus autores acusaram a Igreja Católica de fazer vista grossa por tempo demais.
A Igreja demonstrou uma “indiferença profunda, total e até cruel durante anos”, protegendo a si mesma, no lugar de proteger as vítimas de um abuso sistêmico, disse Jean-Marc Sauvé, chefe da comissão que compilou o relatório.
A maioria das vítimas foram meninos, disse ele, muitos deles de 10 a 13 anos de idade. A Igreja não somente não tomou as medidas necessárias para evitar abusos, mas tampouco os relatou, e em certas ocasiões colocou crianças em contato com predadores conscientemente, disse o relatório.
O chefe da conferência de bispos da França, Éric de Moulins-Beaufort, disse se tratar de uma vergonha para a Igreja, pediu perdão e prometeu agir. As revelações na França são as mais recentes a abalar a Igreja Católica na esteira de uma série de escândalos de abuso sexual em todo o mundo, com frequência envolvendo crianças.
A comissão foi criada por bispos católicos da França no final de 2018 para lançar luz sobre os abusos e restabelecer a confiança pública na Igreja diante de um panorama de congregações minguantes, e trabalha de forma independente.
Sauvé disse que o problema persiste, e acrescentou que até os anos 2000 a Igreja mostrou uma indiferença completa com as vítimas, só adotando uma mudança de atitude real entre 2015 e 2016.
Os ensinamentos da Igreja Católica em temas como sexualidade, obediência e a santidade do sacerdócio ajudaram a criar pontos cegos que permitiram abusos sexuais do clero, disse Sauvé, acrescentando que a instituição precisa reformular a maneira como aborda estas questões para restabelecer a confiança da sociedade.
A Igreja precisa assumir a responsabilidade pelo que ocorreu, disse a comissão, e fazer com que relatos de abusos sejam transmitidos às autoridades judiciais. Ela também deve oferecer compensações financeiras adequadas às vítimas, “que, embora não sejam suficientes (para tratar do trauma do abuso sexual), são contudo indispensáveis, já que completam o processo de reconhecimento”.
A comissão acrescentou uma lista de recomendações, que inclui a verificação sistemática de fichas criminais de qualquer pessoa indicada pela Igreja para ter contato frequente com crianças ou pessoas vulneráveis e um treinamento adequado aos padres.
Fonte: Estadão