A Itália entrou em um novo território para uma democracia ocidental nesta sexta-feira, 15, ao impor uma regra de vacinação contra o coronavírus no local de trabalho que está remodelando drasticamente a sociedade. Em todos os lugares, de escritórios a fábricas, os trabalhadores passaram a enfrentar um novo requisito para entrar e receber seu pagamento: precisam primeiro mostrar o código QR de um passe de saúde emitido pelo governo.
“É algo surreal”, disse Luca Girotto, de 47 anos, um maquinista vacinado que tinha o passe e pode entrar para trabalhar. “Um experimento social”, disse Umberto Perón, de 59 anos, um trabalhador de manutenção de estradas não vacinado que não tinha o passe e foi forçado a ficar em casa.
Enquanto o governo da Itália elaborou as novas medidas em nome da segurança, as exigências estão começando a separar a sociedade em diferentes níveis de liberdade.
A nova sociedade é aquela em que os vacinados retomam suas vidas e os não vacinados enfrentam uma escolha: ou são vacinados ou correm o risco de perder seus rendimentos – junto com a proibição de jantar em ambientes fechados, assistir a um show, ver um filme, entrar em uma festa ou embarcar em um trem de alta velocidade.
Milhares de opositores à obrigação do passe sanitário para o trabalho se mobilizaram em todo o país com bloqueios nas entradas de portos e armazéns.
O setor de transporte e logística é o principal envolvido nas ações: no transporte rodoviário, até 30% dos 900 mil motoristas, entregadores e trabalhadores de armazéns não estão vacinados, informou à agência France Presse o chefe da organização patronal Confetra, Ivano Russo.
Pela manhã, quase 300 estivadores montaram um piquete na entrada do Porto de Gênova (noroeste) para impedir a entrada de caminhões. “Hoje está muito difícil descarregar”, testemunhou Marco, um caminhoneiro de 50 anos, citado pela agência Ansa. “Eu me vacinei para trabalhar”.
Em Trieste (nordeste), o porto funciona apesar da reunião de mais de 6,5 mil opositores, garantiu o presidente da região de Friul-Veneza Júlia, Massimiliano Fedriga. “Claro que existem algumas dificuldades em alguns pontos, mas funciona.”
O mesmo acontece em Nápoles e nos portos do Adriático, em particular em Bari e Brindisi. “Cidadãos, não fantoches”, “Não ao passe sanitário, sem discriminação”, diziam as faixas em Trieste.
Em Veneza, a rede dos famosos “vaporetto” operava normalmente, assim como o transporte público em Roma ou Milão. Em Settala, próximo de Milão, cerca de 30 funcionários impediam o acesso a um local da entregadora DHL.
Além disso, um quarto dos 400 mil trabalhadores agrícolas italianos e estrangeiros não são vacinados, de acordo com a confederação agrícola Coldiretti. “Com a colheita de azeitonas e maçãs, isso pode criar algumas dificuldades”, comentou à AFP Romano Magrini, funcionário da Coldiretti.
De acordo com a lei adotada pelo governo de coalizão de Mario Draghi, qualquer funcionário que não tenha sido vacinado ou que não tenha se recuperado recentemente da covid-19 deve apresentar ao seu empregador prova de um teste negativo que ele mesmo pagou, sob pena de ser declarado faltoso e privado de seu salário.
O trabalhador que chegar ao local de trabalho sem o passe pode receber multa de até € 1,5 mil (cerca de R$ 9,5 mil).
Mais de 85% dos italianos com mais de 12 anos receberam pelo menos uma dose, mas até 3 milhões de outras pessoas, não vacinadas, correm o risco de ter o acesso negado a seus locais de trabalho.
Ao tornar o passe de saúde obrigatório, o Executivo quer estimular a imunização. Aposta parcialmente ganha, já que 560 mil novos passes de saúde foram baixados na quarta-feira e 860 mil na quinta.
Mario Draghi espera limitar o risco de surtos epidêmicos e evitar novos confinamentos na Itália, um dos países europeus mais afetados pela pandemia, com mais de 130 mil mortes e uma queda no PIB de 8,9% em 2020.
O programa de vacinação lançado em dezembro do ano passado manteve as taxas de infecção baixas e a terceira maior economia da zona do euro deve crescer 5,8% este ano, de acordo com as últimas previsões do FMI.
Em Roma, as autoridades se preparam para novas mobilizações após a manifestação anti-passe no sábado passado, que degenerou em confrontos violentos. Um novo protesto estava previsto para esta sexta-feira.
No sábado, os sindicatos convocaram uma marcha antifascista para denunciar o ataque à sede da Cgil, principal confederação do país, durante a manifestação contra o passe de 9 de outubro, atribuída a um pequeno grupo de extrema direita, Forza Nuova.
Fonte: Estadão