Se anos atrás a Cidade Alta era o berço de um comércio pulsante, hoje, o bairro, que é o mais antigo de Natal, sofre os impactos das transformações pelas quais passa a capital. Diminuição do fluxo de pessoas nas principais ruas e avenidas, lojas vazias ou com baixo movimento, além de um cenário que salta aos olhos: diversas empresas fechadas. Entre janeiro de 2021 e o começo deste mês de outubro, 2.164 empresas foram extintas segundo dados da Junta Comercial do Rio Grande do Norte (Jucern). O órgão informou ainda que, em 2021, a região possui 2.023 negócios ativos, o menor número dos últimos dez anos. Em 2011, o número de empresas que estavam ativas no bairro era de 2.581, segundo a Jucern.
Especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE afirmam se tratar de um fenômeno histórico e que mantém relação direta com o desenvolvimento de outras áreas da capital.
Para efeitos de comparação, no Alecrim, os negócios ativos, apesar de algumas oscilações, manteve a tendência de crescimento em dez anos. Se em 2011, a Jucern registrava 3.037 empresas em atuação, neste ano, o número está em 3.467. Os negócios extintos eram 4.406 em 2011. Neste ano, o número está é de 3.585.
Para quem ainda está na Cidade Alta, o cenário é de incertezas. Herbert Lopes é gerente de uma loja de calçados na Avenida Rio Branco, a principal via do bairro. Nos últimos anos ele viu a quantidade de clientes diminuir abruptamente. “Hoje, aproximadamente 300 pessoas entram na loja por dia. Mas esse número já chegou a 800”, revela. A redução acarretou o enxugamento do quadro de funcionários.
“Estou na loja há quatro anos, desde que ela foi instalada aqui. No começo, o movimento era muito bom. Nós tínhamos 16 vendedores, mas hoje são apenas sete. Isso, por causa do fraco movimento”, conta Herbert. Ainda na Rio Branco, o vendedor de móveis, Anderson Santos, descreve como o movimento na loja onde ele trabalha reduziu nos últimos anos.
“A loja chegou na Cidade Alta há cerca de oito anos. O comércio era bom, com muita gente circulando. Hoje, a maioria das lojas está fechada. O bairro está ficando esquecido. Escuto muitos outros lojistas dizendo que vão fechar”, conta. O vendedor afirma que o perfil dos clientes que frequentam a loja mudou ao longo dos mais recentes anos. “Quem vem aqui, vem de forma aleatória ou por indicação. Já perdemos 60% dos nossos clientes”, lamenta.
Luís Carlos Mendes, que trabalha em um restaurante na Princesa Isabel, (outra via bastante agitada do bairro), há 18 anos, também relata que, nos últimos tempos a situação tem se apresentado de forma pessimista para os negócios do bairro. “Quando eu cheguei aqui, a gente recebia tanto cliente que tinha dia que não conseguia nem almoçar. Hoje, abrimos das 10h às 14h30, mas antes, nem tinha hora definida para fechar”, comenta.
Aos sábados, relata, a mudança foi ainda mais brusca. “Era uma dia em que a gente vendia 300 almoços. Agora, vendemos 25 ou 30, no máximo”, afirma. Em meio à crise, os que atua nos negócios da região, não vislumbra possibilidade de melhorais no curto prazo.
“Acho que as coisas vão demorar a melhorar e creio que não serão como antes, porque não tem gente circulando por aqui”, diz Luís Carlos Mendes. “Não acredito em melhora nesse cenário. Pelo menos não imediatamente”, completa o vendedor Anderson Santos.
O gerente Herbert Lopes é um pouco mais otimista. “Tenho certeza que as coisas vão melhorar, principalmente agora com a pandemia indo embora. Já tem muita gente vacinada e que ficou em casa sem comprar nada por muito tempo”, prevê Lopes.
Novos polos comerciais atraem negócios
Fatores como reestruturação comercial, organização urbanística e aspectos históricos são os responsáveis pelas alterações observadas na Cidade Alta nos últimos anos e que tem culminado no declínio comercial do bairro, de acordo com a avaliação da Fecomércio RN e de especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE.
Para o economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), William Eufrásio Nunes, o que acontece na Cidade Alta é o reflexo de uma mudança observada em outras partes do Estado, mas com ênfase na capital, com o surgimento de novos polos comerciais.
“Em Natal, novas áreas de comércio têm surgido e se fortalecido. A zona Norte, o Alecrim e a implantação de novos shoppings são exemplos disso. Então, o Centro vem perdendo aquela característica natural, de ser um polo comercial. Isso aconteceu com a maioria das grandes e médias cidades do País. Historicamente, parte dessa caraterística [de polo comercial] vai ficando para trás”, explica.
Para a arquiteta e urbanista Sophia Motta, a forma como a região está organizada, do ponto de vista urbanístico, pode esclarecer o porquê de o bairro sofrer atualmente com a fuga de negócios da região.
“A Cidade Alta se consolidou como centro comercial. Ou seja, é uma área viva durante o dia e morta à noite, com o predomínio de um único uso. E nós estamos falando de comércio. Se é assim, primeiro é necessário ter um fluxo de pessoas, por que só aí é que os negócios vão se instalar. Portanto, a presença de pessoas é fundamental para requalificar a área. É assim em qualquer centro urbano do mundo”, pontua a arquiteta.
O presidente da Fecomércio RN, Marcelo Queiroz, segue cartilha semelhante ao analisar a situação do comércio na Cidade Alta. “De uma forma geral, percebemos um fortalecimento de centros comerciais em outras áreas de Natal, como as zonas Sul e Norte, bem como o crescimento dos shoppings e do comércio no bairro do Alecrim. Também acrescentamos o fato de que, para um comércio ser forte, é essencial um fluxo significativo de pessoas. Atualmente, não temos grandes pontos de atração de fluxo no Centro”, detalha Queiroz.
Com informações Tribuna do Norte.