O ano era 2007 e Britney Spears não queria, mas foi convencida pela equipe a cantar a música “Gimme More” no MTV Video Music Awards, numa performance que era para ser sensual e dançante. A ideia era mostrar que ela estava bem, depois de um colapso no início do ano — aquele momento em que a cantora raspou todo o cabelo.
Mas Britney estava zonza, não tinha dormido na noite anterior, teve problemas com o figurino e os apliques no cabelo, que ainda não tinha crescido. Para piorar, nos bastidores da premiação, ela encontrou Justin Timberlake… vivendo um dia bem mais animado.
O que aconteceu depois foi uma apresentação desastrosa, que virou piada no mundo todo e marcou para sempre o momento mais complicado e caótico da carreira da artista. Essa é só uma das histórias reveladoras que Britney conta em “A Mulher em Mim”, sua autobiografia, que acaba de sair.
Performance de Britney Spears no VMA de 2007 — Foto: Reprodução/YouTube
O livro de Britney tem 280 páginas e conta a trajetória da cantora desde a infância na Louisiana (EUA) até o momento em que a Justiça determinou o fim da tutela do pai dela, em 2021. Jamie Spears controlou a vida da filha por 13 anos, desde a fase do colapso, que mudou tudo para ela. Leia, a seguir, as principais revelações de “A Mulher em Mim”.
Tragédia na família
Britney cresceu numa família marcada por uma tragédia. Logo nas primeiras páginas, o livro tem um relato forte sobre a morte da avó da cantora por parte de pai, Jean.
Ela perdeu um filho recém-nascido, com só três dias de vida. Depois disso, o marido de Jean — June, avô de Britney, que era um homem abusivo — mandou a avó da cantora para um manicômio. Em 1966, aos 31 anos, ela cometeu suicídio em frente ao túmulo do filho, que tinha morrido 8 anos antes.
Jamie, o outro filho de Jean, pai de Britney, tinha 13 anos quando isso aconteceu. E a cantora atribui, em parte, a esse trauma e aos abusos do pai, June, os problemas com a bebida, que Jamie teve durante a maior parte da vida, e a forma ultra rigorosa como ele sempre agiu com os próprios filhos.
1º beijo
Britney ficou famosa ainda criança no “Clube do Mickey”, programa da Disney que também revelou nomes como Christina Aguilera, Ryan Gosling e Justin Timberlake.
Foi nessa época que Britney deu o primeiro beijo em Justin. No livro, ela conta que eles estavam numa festa do pijama. E, brincando de verdade ou desafio, alguém desafiou o garoto a beijá-la. Na hora, estava tocando uma música de Janet Jackson, segundo ela lembra. Na época, Britney não sabia, mas esse relacionamento determinaria muita coisa em sua vida.
Britney Spears e Justin Timberlake na capa da revista “Hello!”, no ano 2000 — Foto: Divulgação
Crítica ao ‘Nsync
Os dois só começaram a namorar para valer anos depois, quando o “Clube do Mickey” já tinha acabado e Britney saiu em turnê com a banda de Justin, o ‘Nsync, outro fenômeno dos anos 2000.
No livro, Britney alfineta o grupo: os integrantes do ‘Nsync queriam andar com a galera do hip hop, e se esforçavam muito para tentar se encaixar nesse universo. Bem diferente dos Backstreet Boys, que na visão dela sempre foram bem conscientes: eram simplesmente um grupo branco de pop.
“A banda do Justin, o ‘NSYNC, era, como as pessoas costumavam dizer na época, metida. Eram todos jovens brancos, mas que amavam hip-hop. Para mim, era isso que os diferenciava do Backstreet Boys, que parecia bem consciente ao se posicionar como um grupo branco.”
‘Baby One More Time’
Na época da turnê com o ‘Nsync, Britney já tinha estourado com seu primeiro hit, “Baby One More Time”. O álbum com mesmo nome, o primeiro dela, saiu em 1999 e estreou em primeiro lugar na parada da revista “Billboard” nos Estados Unidos. Britney se tornou a primeira mulher a estrear com um single e um álbum em primeiro lugar ao mesmo tempo.
Sobre seu primeiro sucesso, Britney conta que, na noite anterior à gravação, ficou ouvindo a música “Tainted Love”, da dupla pop britânica Soft Cell. Então, decidiu ficar acordada até tarde para, no outro dia, chegar no estúdio cansada, com a voz rouca.
Quando ela cantou, a voz saiu mais grave, soando mais adulta e sexy. Max Martin, produtor do disco, entendeu que Britney queria uma pegada R&B para a música e fez acontecer.
‘Livre’ no Brasil
Os primeiros anos de fama foram como um conto de fadas pra Britney. Ela viajava pelo mundo realizando o sonho de ser reconhecida por onde passava. Quando ela fala dessa época, ela lembra com muito carinho de uma passagem pelo Brasil.
Foi quando a cantora veio para cantar no Rock in Rio de 2001. Britney diz que, no Brasil, se sentiu livre. E nadou nua com dançarinos no mar do Rio de Janeiro. Ela fala desse momento como um dos mais felizes que já viveu em turnês.
“No Brasil, me senti livre, como uma criança em alguns aspectos —uma mulher e uma criança ao mesmo tempo. Eu me sentia corajosa àquela altura, cheia de pressa e ímpeto.”
‘Crossroads: Amigas para Sempre’
Zoe Saldaña, Taryn Manning e Britney Spears em cena de ‘Crossroads – Amigas para Sempre’ — Foto: Divulgação
Ela também conta de sua experiência como atriz, no filme “Crossroads: Amigas para Sempre”, de 2002. Britney diz que, ao atuar, não conseguia nunca sair da personagem: ela agia o tempo todo como Lucy, a protagonista do longa. Isso foi um problema em sua vida: as pessoas próximas reparavam que ela estava esquisita.
Ainda sobre atuação, Britney revela que foi convidada e quase fez o papel que foi da Rachel McAdams em “Diário de uma Paixão”, o clássico romântico de 2004. Seria um reencontro com Ryan Gosling, o galã do filme, depois do “Clube do Mickey”.
Aborto caseiro
Britney narra de forma muito intensa o relacionamento com Justin Timberlake. Diz que era tão apaixonada por ele que chegava a ser patético. Foram três anos como a realeza do pop, com os dois desfilando em looks combinando pelas premiações ao redor do mundo.
Até que a coisa começou a desandar. A revelação feita no livro que mais chamou a atenção da imprensa é o aborto que Britney fez durante o relacionamento.
O que a cantora narra: ela engravidou dele, mas Justin não ficou feliz com a notícia. Disse que os dois não estavam prontos para um bebê, que eram jovens demais. Então, mesmo sem ter certeza de que era a melhor decisão, ela aceitou fazer um aborto.
O procedimento foi feito em casa, para evitar que a historia se tornasse pública. Britney conta que passou horas sentindo dores extremas. Para ela, foi um dos momentos mais agonizantes de sua vida.
“Eu nunca poderia ter imaginado escolher fazer o aborto, mas, dadas as circunstâncias, foi o que fizemos. Não sei se foi a decisão correta. Se a decisão só coubesse a mim, eu nunca teria feito isso.”
Infidelidade
Outro ponto que pesou no namoro dos dois foram as traições. Britney lembra que, durante o relacionamento, ficou sabendo algumas vezes que o Justin a tinha traído. Uma dessas vezes, ela afirma que foi com uma pessoa hoje muito famosa, casada e com filhos — mas a cantora não revela o nome.
Britney diz que estava muito apaixonada, e decidiu não falar com o namorado sobre os episódios de infidelidade. Mas resolveu trair também. Ela afirma que foi só uma vez, com o dançarino Wade Robson. A cantora contou para o namorado, os dois superaram e seguiram juntos.
“Fui leal ao Justin por anos, só tinha olhos para ele, com essa única exceção, e admiti para Justin o que havia acontecido. Aquela noite ficou marcada como algo que acontece quando você é jovem igual a gente era, e Justin e eu superamos isso e continuamos juntos. Pensei que ficaríamos juntos para sempre. Eu esperava que ficássemos.”
Mas, tempos depois, quando ele terminou com ela por mensagem de texto enquanto Britney estava na gravação de um clipe, Justin usou a história da traição no clipe de “Cry Me a River”, música gravada para seu primeiro álbum solo, “Justified”, de 2002. O clipe mostra o cantor sendo traído por uma mulher que é uma espécie de sósia de Britney.
Ela fala no livro de forma muito clara sobre como Justin usou a trama de infidelidade para promover o álbum, sem nunca mencionar que ele também havia traído a namorada.
Nas palavras da Britney, ela passou a ser descrita como “uma prostituta que partiu o coração do menino de ouro da América”. Ela diz que, depois do clipe de Cry Me a River, passou a ser vaiada em todos os lugares que ia.
Em 2021, o próprio Justin Timberlake publicou um pedido de desculpas a Britney, pelas falhas que cometeu com ela.
“Por mais que Justin tenha me machucado, o amor era grande demais, e quando ele me deixou eu fiquei destruída. Quando digo destruída, quero dizer que mal consegui falar durante meses.”
Meia hora no estúdio
Nos anos seguintes ao término, Britney teve um rolinho com o ator Colin Farrel, se isolou num apartamento em Nova York, ficou amiga de Madonna, teve um casamento relâmpago em Las Vegas com um amigo de infância e, depois, se apaixonou e casou com o rapper e dançarino Kevin Federline, com quem teve 2 filhos.
Cada passo do que aconteceu na vida da Britney ao longo de cinco anos, a partir de 2002, foi acompanhado pela imprensa e a opinião pública, incluindo o jeito como ela lidava com os filhos, que era sempre julgado e criticado. Era uma época em que pouco se falava sobre saúde mental, e o machismo era ainda mais escancarado.
Britney diz que vivia encurralada por fotógrafos, aonde quer que ela fosse. Quando gravou o disco “Blackout”, de 2007, ia para o estúdio e tentava resolver tudo em meia hora. Isso porque, se ela ficasse muito tempo parada em algum lugar, uma multidão de jornalistas logo se formava na porta.
O assédio da imprensa, uma relação conturbada com a família e a morte de uma tia, de quem Britney era muito próxima, foram elementos fundamentais que levaram ao desgaste emocional dessa época.
Cabelo raspado
Imagem de Britney Spears raspando o cabelo na capa do ‘New York Post’ em 2007 — Foto: Divulgação
2007 foi também o ano em que ela se separou de Kevin Federline. Britney diz que, num esforço para conseguir a guarda dos filhos dos dois, ele passou a espalhar que ela estava descontrolada, sem condições de cuidar das crianças. Uma tese que ganhou apoio da mídia na época, e que foi o estopim para o total colapso da cantora.
Ela conta que, no dia fatídico em que raspou o cabelo, tinha ido implorar a Kevin pra conseguir ver os filhos, depois de passar várias semanas longe deles. Sem ter o pedido atendido e dominada por uma tristeza profunda, ela percebeu que estava sendo perseguida por fotógrafos na rua.
Então, entrou em um salão de beleza para dar o que eles queriam: uma imagem bombástica para publicar.
“Raspar a cabeça foi uma maneira de dizer para o mundo: F*da-se. Vocês querem que eu seja linda para vocês? F*da-se. Vocês querem que eu seja legal com vocês? F*da-se. Vocês querem que eu seja a garota dos seus sonhos? F*da-se.”
Interesse financeiro
O colapso de 2007 foi usado pelo pai da Britney nos tribunais para conseguir a tutela — ou seja, o total controle sobre a vida pessoal e, principalmente, sobre os bens de Britney Spears. Ele também usou o argumento do abuso de substâncias, embora a cantora diga no livro que nunca teve problemas graves com drogas e álcool.
A figura do tutor é comum na Justiça americana. Ele é alguém que assume a responsabilidade por uma outra pessoa, considerada incapaz de cuidar de si mesma. É um tipo de recurso mais usado para idosos, pessoas que estão muito doentes ou dependentes químicos.
Mas Britney diz que, na época, era completamente capaz de cuidar de si. E que a motivação do pai, para assumir a tutela, foi principalmente financeira: ele queria se aproveitar do dinheiro dela.
Controle absoluto
A tutela durou 13 anos. Britney continuou trabalhando e, publicamente, parecia que a vida dela estava mais calma. Mas, no livro, a artista revela que esse período de controle absoluto foi, na verdade, o pior de sua vida.
Jamie Spears com a filha Britney — Foto: Reprodução/Instagram da cantora
Ela conta:
- que, nas raras vezes em que saía de casa, uma equipe de segurança vasculhava todo o lugar para que não tivesse nenhum tipo de droga ou álcool;
- que qualquer cara que se aproximasse tinha os antecedentes investigados, era obrigado a assinar um acordo de confidencialidade e até a fazer um exame de sangue;
- que ela ficou dois anos comendo só frango e vegetais enlatados porque o pai insistia que a filha estava acima do peso e controlava sua dieta de forma rigorosa;
- que, mesmo sendo milionária e fazendo shows sem parar, ela ganhava uma mesada de US$ 1.000 por semana e todos os gastos eram controlados. Numa noite, Britney lembra, ela saiu para jantar com amigos, tentou pagar a conta para todo mundo e teve o cartão recusado.
Essa é a primeira vez que a cantora fala abertamente do que viveu durante a tutela. Nas páginas do livro, ela mostra um grande rancor do pai e também da mãe, que concordou com tudo e até promoveu um livro de memórias em cima do fracasso da filha. E também dos irmãos, que não fizeram nada para impedir o que estava acontecendo.
“Isso vai parecer loucura, mas vou repetir porque é a verdade: eu achei que eles fossem me matar.”
Free Britney
O movimento Free Britney, que foi criado na internet e ganhou força ao longo dos anos, pedia que a artista ficasse livre da tutela do pai. A mobilização, que gerou até protestos pelo mundo, é tema do documentário “Framing Britney Spears”.
Britney lutou pelo fim da tutela na Justiça e a vitória veio em 2021. Ela diz no livro que só demorou tanto para tomar uma atitude, por causa dos filhos, Sean e Jayden. Ela sabia que, ao rebelar contra a tutela, corria o risco de ser separada dos dois, como já tinha acontecido.
Na autobiografia, a cantora diz que os melhores momentos de sua vida foram cochilos que tirou com os filhos. E é justamente a eles que ela dedica o livro.
Fonte: g1