Uma aluna do Colégio Municipal Doutor João Paim, que é integrado ao sistema de colégios da Polícia Militar, relatou ter sido impedida de entrar na instituição por causa dos cabelos crespos. O funcionário que barrou o acesso dela é inspetor da unidade, que fica em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador.
O caso aconteceu com Monique Tavares, no dia 21 de março. Ela chegou à escola com o cabelo preso em coque, mas sem estar envolvo na rede exigida para cobrir o penteado. A estudante conta que o inspetor não questionou a falta da rede, mas mandou ela alisar os cabelos.
“Cheguei lá com os alunos, como todo mundo, e quando chegou na minha vez ele disse: ‘Aluna, você não está adequada para este colégio’. Aí ele disse assim: ‘Seu cabelo está inchado e você precisa alisar mais ele’”.
Mesmo depois de ter sido mandada para casa pelo funcionário, Monique tentou modificar a identidade do próprio cabelo, com ajuda de uma amiga, para se encaixar ao padrão. A jovem relata que, mais uma vez, o inspetor repetiu que o cabelo crespo dela era o motivo pelo qual ela não entraria.
A cena aconteceu na porta da escola, na presença de outros estudantes e pais de alunos, que acompanharam tudo em silêncio. A caminho de casa, a estudante mandou áudio para mãe contando a situação e, pela primeira vez, se referiu ao próprio cabelo como algo ruim.
“Foi hoje, acertei o diabo do meu cabelo e disse que era para eu voltar, porque meu cabelo estava muito folgado, que eu não ia entrar no colégio não”, disse ela na gravação.
A mãe de Monique, Jaciara Tavares, reforçou que a única falha da filha foi não usar a rede que cobre o coque, e que nada justifica a não aceitação de cabelo crespo, que é naturalmente mais volumoso mesmo quando preso. Para a mãe, a filha foi vítima de racismo praticado por um funcionário negro.
“Inclusive, ele também relatou que é negro. Eu falei: ‘infelizmente, nos dias de hoje, a gente sofre racismo de pessoas da nossa cor mesmo, é por não aceitar ser desse tom de pele, que querem expandir a raiva em cima de outras pessoas. É triste ver um negro falando do outro negro”, disse Jaciara.
Desde então, Monique tem frequentado as aulas, mas tendo que encher o cabelo de creme para tentar reduzir o volume.
“Sei que está sendo difícil para ela, então está sendo difícil para mim também. Nunca imaginei na minha vida passar por isso”, desabafou a mãe da estudante.
Defensoria Pública acompanha caso
O caso chegou à Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), que acompanha a situação, como explica a defensora Eva Rodrigues.
“Tão logo a gente tomou conhecimento da notícia, a Defensoria Pública procurou o colégio, solicitando informações sobre o caso, e pedindo também esclarecimentos sobre as condutas adotadas pela escola, quando acontecem casos de racismo na escola”, explicou Eva.
Neste ano, a DPE-BA criou o selo “escola antirracista”. A instituição também lançou um livro com quatro contos e orientações aos pais, além de dicas e leitura. A defensora Larissa Rocha explicou que o objetivo é diminuir as práticas racistas no ambiente escolar.
“Esse ano, o foco da campanha é uma educação sem racismo. Infelizmente, a gente sabe que a escola é um ambiente que reproduz práticas, é uma instituição que está dentro de uma sociedade que é estruturalmente racista. Crianças e adolescentes negros sofrem racismo de maneira cotidiana, das mais diversas formas. Essa que a aconteceu São Sebastião do Passé é uma situação, muito provavelmente, de injúria racial. Porém, outras situações de racismo acontecem no ambiente escolar”.
Posicionamento da escola
A escola informou que, ao matricular os estudantes, pais e/ou responsáveis são orientados sobre as normas disciplinares da instituição, e que recebem cartilhas e cópias do regimento interno. Disse ainda que a escola segue o regimento padrão do Ensino Militar, que inclui regras disciplinares e normas sobre vestimentas, penteados, cortes de cabelo, fardamento, uso de calçados e outros itens.
Ainda em nota, a escola informou que a estudante foi orientada, por três dias consecutivos, sobre o penteado, e que lhe foi dado um prazo para que os ajustes fossem feitos, para atender ao padrão do colégio.
A escola não respondeu, no entanto, se tomará alguma medida com relação ao comportamento racista relatado pela estudante.
Fonte: G1