Deputados estaduais que integram a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa (CCJ) decidiram nesta terça-feira (4) tirar de pauta o projeto de lei que cria no Rio Grande do Norte um órgão com “superpoderes” para combater possíveis atos de tortura em presídios.
Pelo acordo estabelecido, a proposta só vai continuar tramitando na Assembleia depois de uma reunião entre membros da CCJ, de outras duas comissões (Administração e Direitos Humanos), de entidades e associações ligadas à segurança pública e de representantes do Governo do Estado – que é o autor do projeto polêmico.
O projeto estava na pauta da CCJ desde a semana passada, quando o deputado Galeno Torquato (PSDB) atendeu a um pedido de entidades da segurança e pediu vista, isto é, mais tempo para analisar. Nesta terça, ele devolveu o projeto sugerindo que a tramitação só continue após a reunião administrativa.
O relator do projeto, deputado Kleber Rodrigues (PSDB), e os demais integrantes da CCJ concordaram com a suspensão da votação.
A decisão ocorre após pressão de pelo menos seis entidades que são contra o projeto: Sindicato dos Policiais Penais (Sindppen), Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Associação dos Delegados de Polícia Civil (Adepol), Associação dos Escrivães de Polícia Civil (Assesp), Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar (ACS) e Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais e Bombeiros Militares (ASSPMBM).
Entenda o projeto
Entre outros pontos, o projeto de lei enviado pelo Governo do Estado para a Assembleia cria o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT).
Entidades ligadas à segurança pública reclamam que o órgão teria “superpoderes”, inclusive para fiscalizar a atuação de policiais – o que seria desnecessário, já que o Ministério Público cumpre esse papel, e temerário, já que o órgão faria um controle externo da segurança pública através de pessoas não concursadas.
Dizem, também, que seria aberto o caminho para que o Estado faça negociação com organizações criminosas que têm filiados nos presídios.
Segundo o projeto, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura seria composto por 5 peritos, escolhidos por processo seletivo (modalidade diferente de concurso público) e nomeados pela governadora Fátima Bezerra (PT) para um mandato de três anos, permitida uma recondução.
Essas pessoas precisam ter “notório conhecimento e formação de nível superior, atuação e experiência na área de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis”.
Esses peritos teriam, de acordo com a proposta, plenos poderes para inspecionar a situação nos presídios do Estado e até requerer instalação de procedimentos criminais e administrativos para apurar denúncias de tortura. É assegurado aos peritos, ainda, acesso irrestrito às dependências prisionais e a possibilidade de entrevistar presos e fazer perícias.
O projeto enviado pela governadora Fátima Bezerra para a Assembleia cria, também, o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (SEPCT), formado por representantes de órgãos e entidades públicas e da sociedade civil. Esse sistema teria como atribuição “realizar o monitoramento, a supervisão e o controle de estabelecimentos e unidades” prisionais.
Esse ponto do “controle” é repudiado pelas entidades, que dizem que a Constituição não permite cargos comissionados para atividades burocráticas, técnicas ou operacionais.
Entidades dizem que projeto “fragiliza segurança pública do Estado”
As seis entidades citadas soltaram uma nota na semana passada contra o projeto. O documento diz que o projeto de lei “fragiliza a segurança pública do Estado”. Segundo a nota, o governo “ameaça retroceder em direitos e mecanismos de fortalecimento das estruturas policiais”.
“A proposta cria verdadeiro mecanismo de controle externo das forças de segurança pública, exercido por cargos em comissão (de natureza técnica/operacional), o que é vedado pela Constituição Federal, pois, em nosso modelo institucional, já existe o Ministério Público para exercer essa função de fiscalização e controle”, afirma a nota.
A nota das entidades acrescenta que o projeto foi elaborado sem discussão com as entidades da segurança: “Ao contrário disso, ao invés de valorizar e incentivar os servidores que estão se arriscando diariamente, o Executivo pretende impor um novo modelo de gestão, dando poderes plenos da segurança pública a pessoas externas à estrutura constitucionalmente formada”.
As entidades finalizam acrescentando: “Não somos contrários à fiscalização, mas não podemos admitir que o monitoramento e o controle do sistema passem para pessoas e entidades com interesses diversos às políticas de Execução Penal e Segurança Pública”.