Com discurso de candidato ao Planalto, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro se filiou nesta quarta-feira,10, ao Podemos ampliando seu já conhecido discurso de combate à corrupção. Com uma fala que parecia descrever um plano de governo, Moro mirou a eleição de 2022, abriu seu leque e prometeu criar uma nova força-tarefa, dessa vez para o combate à pobreza.
Além disso, acenou ao mercado, defendendo reformas – especialmente a tributária – e a privatização de estatais ineficientes. Moro também defendeu a liberdade de imprensa, garantindo que jamais vai propor medidas de controle dessa atividade.
“Chega de ofender ou intimidar jornalistas. Eles são essenciais para o bom funcionamento da democracia e agem como vigilantes de malfeitos dos detentores do poder. A liberdade de imprensa deve ser ampla. Jamais iremos estimular agressões. Jamais iremos propor o controle sobre a imprensa, social ou qualquer que seja o nome com que se queira disfarçar a censura e o controle do conteúdo”, afirmou em evento em Brasília.
A filiação foi formalizada via diretório regional do Paraná, mais um sinal de que o ex-juiz planeja disputar o Planalto, não uma vaga ao Senado, como chegou a ser cogitado. O senador Álvaro Dias, ex-governador e que comanda o Podemos no Estado, vai tentar a reeleição – em 2022, apenas uma das 3 vagas por Estado no Senado estará em disputa.
A fala de Moro contra corrupção, dentro ou fora da política, foi também um claro recado para o presidente Jair Bolsonaro e para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de orçamento secreto”, disse, se referindo aos escândalos envolvendo os dois políticos, mas sem mencionar os nomes dos rivais.
Na questão da pobreza, a ideia da força-tarefa também atende à necessidade de ampliar o alcance de seu discurso para o lado social.
“Uma das prioridades do nosso projeto será erradicar a pobreza, acabar de vez com a miséria. Isso já deveria ter sido feito anos atrás. Para tanto, precisamos mais do que programas de transferência de renda como o Bolsa-Família ou o Auxílio-Brasil. Precisamos identificar o que cada pessoa necessita para sair da pobreza”, afirmou.
“E, como medida prioritária, sugerimos a primeira operação especial: a criação da Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza, convocando servidores e especialistas das estruturas já existentes. Ela será uma força-tarefa permanente e atuará como uma agência independente e sem interesses eleitoreiros, com a missão de erradicar a pobreza no país.”
“Muita gente pensa que isso é impossível, como diziam que era impossível combater a corrupção. Não é, e nem precisa destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal para fazê-lo. Nós podemos erradicar a pobreza e esse é o desafio da nossa geração”, disse.
Terceira via
Embora não tenha se lançado oficialmente como candidato, Moro já fez o discurso com o claro propósito de se tornar um dos nomes disponíveis dentro do campo da chamada terceira via. Ele admitiu que seu nome está à disposição para liderar um projeto nacional.
“Podemos construir juntos um Brasil justo para todos. Esse não é um projeto pessoal de poder, mas, sim, um projeto de País. Nunca tive ambições políticas, quero apenas ajudar”, disse. “Se, para tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil.”
Dentro do debate da escolha de um candidato de terceira via, capaz romper com a polarização entre Lula e Bolsonaro indicada pelas pesquisas, o ex-ministro da Justiça garantiu estar aberto às conversas com outros postulantes. “Há outros bons nomes que têm se apresentado para que o País possa escapar dos extremos da mentira, da corrupção e do retrocesso”, afirmou.
Moro reconheceu a importância dos integrantes desse campo político ficarem juntos. Mas, entre os outros presidenciáveis do grupo, apenas o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta prestigiou a filiação de Moro ao Podemos. Apesar disso, o ex-juiz mantém a convicção sobre a urgência dessa unidade.
“Todos nós sabemos que teremos, em um momento, que nos unir para uma tarefa maior do que cada uma das pessoas envolvidas. Mas precisamos nos unir em torno de um projeto que tenha pelo menos as seguintes linhas essenciais: combater a corrupção como meio de viabilizar as reformas, erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades, controlar a inflação, preservar a responsabilidade fiscal, fomentar o emprego e o desenvolvimento sustentável, prover serviços de saúde, educação e segurança de qualidade, proteger a família, cultivar as liberdades e o respeito com o próximo e com o diferente. Tudo está conectado. Todos estamos juntos”, disse.
Em seu discurso, Moro também fez questão de marcar algumas posições políticas como a defesa do fim da reeleição, argumentando que o instrumento não funcionou.
“Quanto à reeleição para cargos no Poder Executivo, devemos admitir que é uma experiência que não funcionou em nosso País. O presidente, assim que eleito, começa, desde o primeiro dia, a se preocupar mais com a reeleição do que com a população, está em permanente campanha política. E ainda tem o risco de gerar caudilhos, populistas ou ditadores, de esquerda ou de direita, pessoas que se iludem com o seu poder e passam a ser uma ameaça às instituições e à democracia, seja por corrupção ou por violência. Não devemos mais correr esses riscos”, declarou.
Novato na política partidária, Moro se preparou para o evento de filiação contra eventuais deslizes no discurso. Usando um teleprompter, ele próprio citou as críticas a sua voz, provocando os adversários.
“Mas, se eventualmente eu não sou a melhor pessoa para discursar, posso assegurar que sou alguém em que vocês podem confiar”, afirmou, irônico. “O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro.”
Justificativa
Moro também procurou justificar sua passagem pelo governo Bolsonaro e, de quebra, lembrou dos escândalos de corrupção envolvendo Lula e os governos petistas.
“Como todo bom brasileiro, eu tinha, em 2018, esperança por dias melhores. Como todo brasileiro, eu pensava no que havíamos presenciado nos últimos anos: os grandes casos de corrupção sendo revelados dia após dia, os pixulecos, as contas na suíça e milhões de reais ou dólares roubados”, disse.
“A Petrobrás foi saqueada, dia e noite, por interesses políticos, como ‘nunca antes na história deste País’. Apartamentos forrados de dinheiro roubado em espécie, e uma persistente recessão provocada pelos mesmos governos que permitiram tudo isso, com as pessoas comuns desempregadas e empobrecendo. Era um momento que exigia mudança. Eu, como juiz da Lava Jato me sentia no dever de ajudar. Havia pelo menos uma chance de dar certo e eu não podia me omitir: aceitei o convite e ingressei no governo”, afirmou.
O ex-juiz não poupou Bolsonaro pelo “boicote” ao seu trabalho, o que o levou a pedir para sair. “O meu desejo era continuar atuando, como ministro, em favor dos brasileiros. Infelizmente, não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado”, disse.
“Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma”, declarou.
Fonte: Estadão