Fonte: O Globo
Um novo projeto de lei promete trazer um pouco de rapidez ao doloroso processo de divórcio das mulheres vítimas de violência doméstica. Aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado nas próximas semanas, a proposta é uma pequena alteração na Lei Maria da Penha.
Caso seja aprovado e sancionado pelo presidente, o projeto permite que a vítima proponha ação de divórcio no juizado específico de violência doméstica e familiar.
“Apesar da Lei da Maria da Penha já criar diversas medidas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como o afastamento do agressor, há necessidade de prevermos medidas que facilitem de forma definitiva o encerramento do vínculo da mulher e da família com o agressor. Nesse sentido, a decretação imediata do divórcio ou do rompimento da união estável nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a pedido da ofendida, é uma medida que pode vir a minimizar os efeitos negativos, e muitas vezes catastróficos, para a ofendida, por conta da convivência durante o andamento do processo de divórcio ou dissolução da união estável”, afirma o texto.
– Com isso, a mulher agredida pode simplificar o caminho do divórcio, que é o primeiro obstáculo para ter uma vida independente e ficar longe do agressor. Uma vez decretado, evita um reencontro em outro foro, com outro juiz – afirma o autor do projeto, deputado Luiz Lima (PSL-RJ).
De acordo com o deputado, a mulher deve ser informada da possibilidade do divórcio assim que for atendida pelo juiz da lei Maria da Penha, na delegacia ou outro setor, ao receber sua medida protetiva. De qualquer forma, o marido sempre será ouvido e poderá apresentar contestação, mas, segundo a equipe do deputado, “ainda que (o marido) se oponha, o juiz poderá decretar o divórcio”.
O tempo que o processo passará a demandar ainda não está claro, uma vez que guarda, pensão e partilha de bens terão que ser discutidas no juizado civil posteriormente.
Coragem para se divorciar
O que deve acontecer agora, caso o projeto seja aprovado, é que, quando a mulher for retirar a medida protetiva junto ao juiz, o que geralmente ocorre em até 72 horas, será oferecida a ela a possibilidade do divórcio, que seria iniciado pelo mesmo juizado.
– Eu acho que o projeto é muito legal, mas não sei quão eficaz vai ser. O que pode acontecer é aumentar muito o número de divórcios, mas, assim como desistem da protetiva, as vítimas podem desistir do divórcio. Só que como não vão poder voltar atrás, talvez reflitam duas vezes sobre casar de novo. – diz Paola Stroschoen Pinent, advogada do escritório Gabriela Souza, especializado em advocacia para mulheres. – O que eu vejo de bom nesse projeto é a celeridade: não precisar entrar com um novo processo e contar com o mesmo juiz que deferir a protetiva para deferir o seu divórcio.
A especialista explica que a violência doméstica geralmente ocorre em ciclos, em que, depois da violência física, vem um período de “lua de mel”: o agressor fica amoroso por um tempo, depois volta a praticar a violência moral até voltar à violência física.
– Nesse ciclo, as emoções variam muito. A mulher fica confusa e instável. Ela registra a ocorrência e depois desiste porque ainda ama ou porque é dependente emocionalmente daquele homem. Uma coisa é tomar a decisão, outra é manter. Muitas têm até dificuldade de pensar que precisam se separar. Às vezes, elas só querem tirar o cara de casa. Já o divórcio exige um advogado, mas ela pode não ter a informação ou as condições financeiras. Se o divórcio for imediato, é mais uma ferramenta para ela se empoderar. Empresária dos Racionais, Eliane Dias é feminista no mundo machista do rap.
A professora Camila* viveu o drama de conviver com o agressor depois de pedir a separação.
– Depois que pedi o divórcio, passei a ser ameaçada, dormia com a porta trancada. Minha família tinha medo que eu morresse. Até que meses depois meu pai alugou um apartamento e me tirou de casa, sem ter divórcio, pensão, nada.
O divórcio só saiu meses depois. E, mesmo agora, dois anos depois, enquanto ainda espera a partilha de bens, Camila continua “pagando aluguel, mesmo com nossos filhos, enquanto ele transfere bens para a nova mulher e fica com o aluguel da nossa casa”.
– É revoltante. E eu reclamo para quem? Não acredito na Justiça, eu fiz todo o trâmite, mas ela foi parcial e lenta.
Camila foi casada por 26 anos e hoje entende o ciclo da violência doméstica e toda a confusão emocional que ele gera. Foi preciso uma conjunção de fatores para que conseguisse decidir pela separação.
– A violência se estendeu aos meus filhos. Achei que ele era um psicopata e fui tentar ajudá-lo. Nesse processo, me informei sobre a lei Maria da Penha, as agressões verbais e me dei conta de que eu era a vítima. Sem dúvida, esse projeto pode ajudar. Se chego na delegacia e faço a denúncia, preciso sair de casa imediatamente.
*nome alterado para proteger a identidade da vítima