O conselheiro Renato Costa Dias, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), decidiu abrir uma representação para investigar possíveis irregularidades na concessão, pelo Governo do Rio Grande do Norte, de aumento em um bônus que compõe o salário de auditores fiscais – categoria que está na elite do funcionalismo público estadual. A abertura da ação atende a um pedido da Diretoria de Despesa com Pessoal (DPP), órgão técnico do próprio TCE.
Em seu primeiro despacho no processo, o conselheiro do Tribunal de Contas, que ficará à frente do caso, intimou o Governo do Estado a se pronunciar em até 72 horas, caso queira. O prazo começa a contar assim que a governadora Fátima Bezerra (PT) for notificada – o que ainda não aconteceu. A decisão de Renato Dias é do último dia 14 de maio, mas só foi tornada pública na última quarta-feira (19).
Na representação, os técnicos do TCE pedem que o Governo do Estado seja impedido de aumentar a remuneração de auditores fiscais. A Diretoria de Despesa com Pessoal defende que o reajuste oficializado pelo governo Fátima Bezerra é ilegal.
O aumento foi publicado no dia 8 de maio no Diário Oficial do Estado. Uma resolução assinada pelos secretários estaduais Carlos Eduardo Xavier (Tributação) e Virgínia Ferreira (Administração) eleva em 23% um bônus pago mensalmente a auditores como premiação pelo alcance de metas de arrecadação de impostos. O bônus – que recebe o nome de Unidade de Parcela Variável (UPV) – saiu de R$ 88,46 para R$ 108,41.
Em nota, a Secretaria Estadual de Tributação (SET) afirmou que o bônus existe desde 2013 e, segundo a lei, deve ser atualizado todos os anos com base nos resultados da arrecadação. Apesar disso, a UPV só foi reajustada três vezes: duas no governo Robinson Faria (2017 e 2018) e outra agora, que é referente aos resultados de 2016. Os aumentos do governo Robinson foram referentes também a anos anteriores.
A resolução tem efeitos retroativos a 1º de março de 2021, apesar de os auditores terem, em tese, direito a receber o recurso acumulado retroativo aos últimos quatro anos, considerando que a base de cálculo é 2016.
Além disso, a maior parte dos servidores não vai receber efetivamente a verba, já que os salários da categoria ultrapassam o teto do funcionalismo (R$ 39.293,32). Por lei, o que é devido acima do limite máximo é descartado. Outro detalhe é que nem todos os auditores recebem a UPV de forma integral. Dependendo da classe do servidor, são pagas parcelas do bônus, chegando a 100% apenas para o topo da categoria.
O Sindicato dos Auditores Fiscais do Rio Grande do Norte (Sindifern) também enfatizou que o reajuste é legal. Em nota, a entidade destacou que o cálculo do bônus salarial “é feito com base em critérios técnicos”, considerando o alcance de metas de arrecadação.
“O Fisco do Rio Grande do Norte vem desempenhando o seu papel institucional de cobrar os tributos administrados pelo Estado, e mesmo na adversidade imposta pela pandemia, entregou nos últimos oito meses arrecadações de ICMS que contribuíram decisivamente para o equilíbrio fiscal do Estado”, complementou o Sindifern, destacando que o incremento na arrecadação contribuiu para o pagamento em dia de salários de servidores do Estado.
Técnicos veem ilegalidade e apontam impacto financeiro
A lei que criou em 2013 o bônus para os auditores estabelece que a revisão anual do benefício pode acontecer através de resolução. No entanto, na representação, a Diretoria de Despesa com Pessoal do TCE defende que todo reajuste para servidor deve estar previsto em uma lei específica, e não na publicação de uma simples resolução. Os técnicos pedem que o TCE solucione o impasse.
Os técnicos do TCE cobram, ainda, que o Governo do Estado apresente um estudo de impacto econômico e financeiro do aumento. A Diretoria de Despesa com Pessoal cita a existência de um suposto estudo da Secretaria de Administração que apontaria um impacto de R$ 12 milhões por ano.
O PORTAL DA 98 FM não confirmou se esse levantamento realmente existe. A reportagem apurou, contudo, que cálculos preliminares do governo indicam um impacto de R$ 3,2 milhões por ano (cerca de 25% do projetado na representação dos técnicos do TCE).
Além disso, a Diretoria de Despesa com Pessoal aponta que, em função da pandemia da Covid-19, governos estaduais e prefeituras estão impedidos de conceder aumentos para servidores até o fim deste ano, como compensação pela ajuda financeira concedida pelo Governo Federal. O Sindifern destacou em nota, porém, que o aumento do bônus é devido aos auditores desde 2016 – portanto, antes do estado de calamidade.
Por fim, os técnicos do Tribunal de Contas destacam também que o reajuste está proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), já que o Governo do Estado tem um comprometimento de receita com pessoal acima do limite máximo. Hoje, 54,81% da receita vai para pagamento de pessoal, quando deveria ser no máximo 49%, indica o órgão do TCE.